postado em 20/12/2019 04:06
O registro inédito de um buraco negro foi considerado o maior feito científico de 2019 pela revista Science, que, desta vez, também pontuou o que ;deu errado no mundo da ciência; neste ano. Os incêndios na Amazônia encabeçam a lista de piores momentos, que conta ainda com o ressurgimento dos casos de sarampo, a redução das populações de pássaro e a falta de vontade política, principalmente nos Estados Unidos, para enfrentar os problemas climáticos.
Segundo a revista, ;fazendeiros e agricultores cortam e vendem árvores valiosas da Amazônia e, depois, queimam a floresta para abrir espaço para o plantio de culturas ou para a criação de gado. O presidente brasileiro é citado pela Science na apresentação dos destaques negativos. ;Desde que se tornou presidente, em janeiro, (Jair) Bolsonaro pressionou pelo desenvolvimento agrícola na Amazônia e cortou o orçamento para a proteção ambiental. Depois do início dos incêndios, Bolsonaro culpou as organizações não governamentais e chamou os números de desmatamento de ;mentira;;, diz o texto, que também cita a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), Ricardo Galvão. O físico foi eleito, nesta semana, um dos 10 cientistas de destaque do ano pela também prestigiada revista Nature.
Até o fechamento desta edição, o governo não havia comentado a escolha da Science. Ontem, porém, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a criação de gado em terras indígenas para reduzir o preço da carne no país. Segundo ele, há a intenção de incluir, na proposta que libera a atividade de mineração nessas áreas, a regulamentação da agricultura e da pecuária comerciais.
Durante a participação na 25; edição da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP25), neste mês, em Madri, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que, apesar das críticas recebidas, principalmente devido ao desmatamento da Amazônia, o Brasil ;não é vilão de nada;. O país, porém, saiu do evento com a imagem arranhada. Pela primeira vez na história das COPs, foi ;condecorado; com o troféu Fóssil Colossal, que aponta o desserviço de uma nação para o meio ambiente em âmbito global.
Para comemorar
A escuridão ficou visível
O primeiro registro de um buraco negro (foto), um dos maiores mistérios do Universo, se deu graças aos oito maiores radio-observatórios dos quatro continentes. Juntos, eles trabalharam virtualmente como um telescópio do tamanho da Terra, permitindo que um grupo internacional de 200 astrônomos revelasse o ;rosto; desse corpo celeste previsto nas teorias de Albert Einstein.
Em uma série de artigos publicados na edição especial da revista Astrophysical Journal Letters, os cientistas mostraram quatro imagens diretas de um buraco negro supermassivo no coração de Messier 87, uma galáxia dentro do aglomerado galático Virgo, a 55 milhões de anos-luz da Terra. Todas as fotos mostram uma região escura central, cercada por um anel de luz que parece desequilibrado ; mais brilhante de um lado que do outro. A partir desses registros, a equipe determinou que o objeto é cerca de 6,5 bilhões de vezes mais massivo que o Sol.
;Nós conseguimos fazer algo que era presumidamente impossível há apenas uma geração;, comemorou Sheperd S. Doelman, do Centro de Astrofísica de Harvard e do Instituto Smithsonian, em Washington. ;Esse foi um grande ano para a ciência, mas o que poderia ser mais maravilhoso do que, de fato, ver um buraco negro? Isso soa mágico, mas foi, na verdade, uma surpreendente façanha de um trabalho de equipe e da tecnologia;, comentou o editor de notícias da Science, Tim Appenzeller.
Primeiro capítulo dos mamíferos
Há 66 milhões de anos, o impacto de um asteroide que se chocou contra a Terra varreu a fauna dominada pelos dinossauros e também boa parte da flora. Foi uma tragédia para os míticos animais do Cretáceo, mas o acontecimento abriu caminho para o início de uma nova história: a dos mamíferos. Cientistas do Museu de Ciências de Denver, no Colorado, começaram a contar o primeiro capítulo de uma saga que culminou com a ascensão, dezenas de milhões de anos depois, da espécie humana. Com um conjunto de fósseis tão pequenos que cabem na palma da mão, os paleontólogos conseguiram chegar à base da árvore da vida que começou a florescer naquele momento.
Fósseis desses animais são extremamente raros, e mesmo o mais ativo paleontólogo pode passar a vida inteira sem jamais encontrar um osso sequer daquele período. Porém, o especialista em vertebrados Tyler Lyson e o paleobotânico Ian Miller descobriram milhares deles na região de Corral Bluffs, dentro de formações geológicas chamadas concreções ; massas ovais formadas ao redor de núcleos orgânicos (foto). ;Eu abri uma concreção e vi uma caveira de mamífero ;sorrindo; para mim. Então, olhei ao redor e vi concreções por toda parte. Fiquei todo arrepiado;, contou Lyson. A história dessa descoberta foi narrada na revista Science e contada no documentário Rise of Mammals (Ascensão dos Mamíferos).
Um rosto para os denisovanos
A partir de amostras antigas de DNA, cientistas israelenses da Universidade Hebraica de Jerusalém conseguiram dar corpo e rosto a um dos mais antigos primos do homem moderno, o hominídeo de Denisova, que desapareceu há 50 mil anos. Dessa espécie, cujos primeiros restos foram descobertos em 2008, os cientistas conheciam pouca coisa: dentes, pedaços de ossos e um maxilar inferior. Insuficiente para saber como eram.
Os cientistas desenvolveram um novo método, 85% confiável, de análise de DNA antigo e reconstituíram, pela primeira vez e depois de três anos de trabalho, o aspecto geral dos denisovanos. Assim, puderam esclarecer 56 diferenças entre o hominídeo de Denisova e o homem moderno. O primeiro tinha, por exemplo, uma testa pequena, diferente da do Homo sapiens, mas similar à dos neandertais. ;Os denisovanos são mais próximos do homem de Neandertal que de nós, pois são mais próximos deles na escala da evolução;, ressaltou o coordenador do estudo, Liran Carmel.
Origem dos eucariotos
O aparecimento da célula eucariótica representa um marco importante na evolução da vida, dando origem a todos os organismos multicelulares, incluindo humanos. Mas a origem dela permanece um mistério que confunde os cientistas há quase um século. Uma teoria predominante é que uma única célula procarionte (bem menos complexa) basicamente engoliu outra. Um novo estudo da Universidade de Wageningen com um micróbio coletado na costa do Japão está lançando nova luz sobre esse fenômeno.
O organismo unicelular, chamado Prometheoarchaeum syntrophicum, divergiu das bactérias há 3,7 bilhões de anos e carrega genes pertencentes apenas a eucariotos, incluindo alguns que podem quebrar as membranas externas das células. Isso sugere que ele teria sido capaz de engolir outras células. A equipe, liderada por Thijs Ettema, da Universidade de Wageningen, desenvolveu uma mistura de nutrientes e outros produtos químicos que lhes permitiu produzir o organismo em laboratório pela primeira vez. Assim, conseguiram estudar suas características e visualizaram a célula devorando os micróbios vizinhos. Ele também tem apetite por bactérias.
Supremacia quântica
Em outubro, a gigante Google anunciou que atingiu a supremacia quântica ; capacidade de um computador quântico de resolver problemas que nem os supercomputadores tradicionais conseguiriam. Liderada pelo físico John Martinis, a equipe aprimorou o hardware do Sycamore, o computador quântico da empresa, e calculou a propagação de saídas de um tipo de gerador quântico de números aleatórios. O Sycamore resolveu a questão em 200 segundos. Segundo a Google, uma máquina comum, na versão mais poderosa, levaria 10 mil anos para executar a tarefa. Já a concorrente, IMB, afirmou que, com o algoritmo correto, o problema seria resolvido em dois dias.
O líder da equipe, John Martinis, também foi citado pela revista britânica Nature como uma das 10 pessoas que fizeram a diferença no campo científico em 2019. Martinis contou que, na juventude, assistiu a uma palestra sobre computadores quânticos e decidiu que, um dia, trabalharia numa máquina dessas.
Muito além das fronteiras
Em janeiro, a nave espacial New Horizons, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), visitou o corpo cósmico mais distante já alcançado por um objeto feito pelo homem. A rocha gelada orbita no escuro e gélido Cinturão de Kuiper, cerca de um bilhão de quilômetros além de Plutão. A missão entregou as primeiras imagens detalhadas que mostravam que ela consistia em duas esferas grudadas em formato de boneco de neve (foto).
A designação técnica da rocha é MU69 2014, mas a equipe da New Horizons inicialmente a apelidou de Ultima Thule, inspirando-se em uma terra mítica do norte na literatura europeia clássica e medieval, descrita como além das fronteiras do mundo conhecido. No entanto, esse nome provocou críticas por ser utilizado por ocultistas alemães de extrema direita no início do século 20. Em novembro, ela foi rebatizada oficialmente de Arrokoth, que significa céu nos idiomas nativos americanos Powhatan e Algonquian.
Tratamento inovador
Pela primeira vez em décadas, a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou um novo tratamento para a fibrose cística, uma doença rara e progressiva, que pode levar à morte. Ela provoca a formação de um muco espesso que se acumula nos pulmões, no trato digestivo e em outras partes do corpo, desencadeando graves problemas respiratórios e digestivos, além de complicações como infecções e diabetes.
O Trikafta, desenvolvido pela Vertex Pharmaceuticals, combina três drogas que têm como alvo a proteína CFTR, que, em pacientes da fibrose cística, é defeituosa. A eficácia do Trikafta em pacientes com mais de 12 anos de idade foi demonstrada em dois ensaios. A Cystic Fibrosis Foundation (CFF) ; que é líder mundial na busca de uma cura para a FC ; comemorou a aprovação do tratamento. ;Ao longo de minhas décadas como clínico, cuidando de pessoas com FC, esperei ansiosamente pelo dia em que poderíamos transformar dramaticamente o tratamento dessa doença. Estou profundamente agradecido por poder dizer que esse dia chegou;, disse o CEO da CFF, Preston Campbell.
Alimentos terapêuticos
A desnutrição infantil é um problema grave de saúde global, afetando 150 milhões de crianças com menos de 5 anos em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para ajudar a combater o problema, uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, e do Centro Internacional de Pesquisa de Doenças Diarreicas, em Dhaka, Bangladesh, adotaram uma nova abordagem, que consiste em aumentar seletivamente os principais micróbios intestinais promotores de crescimento, usando ingredientes presentes em alimentos acessíveis e culturalmente aceitáveis. Segundo os autores, as comunidades microbianas intestinais de crianças desnutridas não estão completamente formadas, em comparação com aquelas saudáveis.
O estudo forneceu a primeira evidência de que um suplemento alimentar terapêutico, desenvolvido especificamente para apoiar o crescimento e a expansão de micróbios intestinais ligados ao desenvolvimento saudável de microbiomas, tem efeitos benéficos fora do intestino relacionados a muitos aspectos do crescimento saudável. Eles envolvem mediadores-chave do metabolismo e do desenvolvimento ósseo, cerebral e do sistema imunológico.
Ebola derrotado
Há 43 anos, uma epidemia emergiu das florestas da República Democrática do Congo, próximo ao Rio Ebola. Desde então, o vírus e a doença que levaram o nome do curso d;água mataram milhares de pessoas, sem que houvesse um tratamento realmente eficaz. Mas no auge da pior epidemia que assolou o país africano, cientistas conseguiram identificar duas drogas que reduziram significativamente as taxas de óbito da doença. Tratam-se de anticorpos: um isolado de um sobrevivente do surto de 1996, e outro resultante da mistura de três anticorpos produzidos em ratos, com sistemas imunológicos humanizados.
Em um ensaio clínico, 70% dos pacientes que receberam as duas drogas sobreviveram, comparado a 50% daqueles que foram tratados com outros medicamentos. Por trás dessa vitória, um nome se destaca: Jean-Jacques Muyembe-Tamfum, o virologista congolês que descobriu o vírus e que, ao longo de quatro décadas, vem lutando contra ele. Tamfum foi o principal autor do estudo e escolhido pela revista Nature um dos 10 cientistas de destaque em 2019.
Sem blefe
Um programa de inteligência artificial (IA) desenvolvido pela Universidade Carnegie Mellon em colaboração com o Facebook derrotou os principais profissionais de pôquer NNo-Limit Texas Hold;em de seis jogadores, a forma mais popular desse jogo no mundo. A IA, chamada Pluribus (foto), derrotou Darren Elias, que detém o recorde de muitos títulos do World Poker Tour; e Chris Ferguson, vencedor de seis eventos da World Series of Poker. Cada profissional jogou separadamente 5 mil mãos de pôquer contra cinco cópias do Pluribus.
Em outro experimento envolvendo 13 profissionais, todos que ganharam mais de US $ 1 milhão em partidas anteriores, o Pluribus jogou com cinco profissionais de cada vez, num total de 10 mil mãos, e novamente saiu vitorioso. O programa não foi destaque da Science por ter batido os melhores do mundo em um jogo. A revista justificou a escolha por ser o Pluribus uma demonstração do que a AI pode ser capaz de realizar.