postado em 21/12/2019 04:05
Com o capital político garantido nas eleições do último dia 12, nas quais os conservadores tiveram a maior votação em 32 anos, Boris Johnson deu ontem o primeiro passo concreto para tirar o Reino Unido da União Europeia (UE). O projeto de lei que deve traduzir para a legislação britânica o acordo do Brexit negociado com Bruxelas pelo primeiro-ministro britânico foi aprovado por 358 votos contra 234 em uma primeira votação antes das férias parlamentares de Natal.
O debate continuará em janeiro, após o recesso, em ritmo acelerado. O calendário estabelecido pelo governo prevê uma adoção definitiva em 9 de janeiro, com tempo suficiente para garantir que o divórcio britânico do bloco europeu ocorra 22 dias depois, sem novos atrasos, como determinou Johnson.
;Chegou a hora de agirmos em conjunto como uma nação revitalizada, um Reino Unido cheio de confiança renovada em nosso destino nacional e finalmente determinado a aproveitar as oportunidades que agora nos são apresentadas;, disse o primeiro-ministro ao apresentar o texto. ;Estamos um passo mais perto de conseguir que se realize o Brexit;, tuitou, após a votação.
Críticas
A oposição, que votou contra, ficou indignada com o fato de o governo ter retirado do projeto algumas concessões feitas anteriormente, quando era minoria, como a supervisão parlamentar da próxima etapa da negociação com Bruxelas.
;Esse acordo será usado como um aríete para nos levar a um caminho de mais desregulamentação e a um acordo tóxico com Donald Trump;, denunciou o líder trabalhista Jeremy Corbyn, em referência a uma próxima negociação comercial com os Estados Unidos.
O acordo com a UE inclui questões como os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e cidadãos britânicos na UE, a conta que Londres deve pagar para honrar seus compromissos com o bloco e como manter a fronteira terrestre aberta na ilha da Irlanda. Também trata do período de transição, até 31 de dezembro de 2020, em que Londres e Bruxelas devem realizar a segunda fase do Brexit, a negociação de seu futuro relacionamento.
As autoridades europeias consideram que 11 meses é um período muito curto para se chegar a um acordo de livre-comércio. Mas, determinado a evitar um novo adiamento, Johnson assinou uma cláusula em seu projeto de lei que proíbe qualquer extensão, o que reacendeu o medo de que o país acabe saindo efetivamente da UE em 1; de janeiro de 2021 de forma brutal.
Decidido por 52% dos votos em um referendo em 2016, o Brexit, inicialmente marcado para março de 2019, foi adiado três vezes. Desde que, em novembro de 2018, a ex-primeira-ministra Theresa May assinou os termos do divórcio negociado por dois anos com a UE, o acordo sofreu três rejeições retumbantes em um parlamento fragmentado entre os pró e antieuropeus.
May voltou várias vezes a Bruxelas em busca de ;garantias; para tranquilizar os deputados. Mas falhou. Agora, com Johnson, o caminho parece não ter retorno.
"Chegou a hora de agirmos em conjunto como uma nação revitalizada, um Reino Unido cheio de confiança renovada em nosso destino nacional e, finalmente, determinado a aproveitar as oportunidades que agora nos são apresentadas;
Boris Johnson, primeiro-ministro britânico
Divórcio facilitado
Os principais pontos do Tratado de Retirada, de 535 páginas, acertado em outubro passado entre o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e os líderes dos demais 27 países-membros da União Europeia (UE). Acordo estabelece diretrizes sobre os direitos dos cidadãos, a conta financeira e como manter aberta a fronteira na ilha da Irlanda.
Transição
- O documento prevê um período transitório até 31 de dezembro de 2020, durante o qual os britânicos seguirão aplicando e sendo beneficiados pelas normas europeias. Pagarão a contribuição financeira, mas sem participar nas instituições nem na tomada de decisões. Com esse rito de passagem, a ideia é evitar uma ruptura abrupta, especialmente para as empresas, e dar tempo para negociar a futura relação entre Londres e o bloco europeu, o que se anuncia muito difícil no tempo disponível. Segundo a acordo, o período pode ser prorrogado até o fim de 2022 no máximo. Mas Johnson rejeita a possibilidade e incluiu no projeto de lei apresentado aos deputados um dispositivo que proíbe qualquer extensão da transição.
Direito dos cidadãos
- Os 3,2 milhões de europeus que vivem no Reino Unido e os 1,2 milhão de britânicos residentes no continente poderão seguir estudando, trabalhando, recebendo subsídios e reunindo suas famílias, como acontece atualmente.
A conta britânica
- O Reino Unido cumprirá os compromissos financeiros assumidos no âmbito do orçamento europeu (2014-2020), que também envolve o período de transição. Em troca, vai se beneficiar dos Fundos Estruturais Europeus e da Política Agrícola Comum.
Alfândega na Irlanda do Norte
- A província britânica permanecerá no território alfandegário do Reino Unido, mas respeitará as regulamentações do mercado único europeu para manter aberta a fronteira terrestre com a vizinha República da Irlanda, país-membro da UE. Isso implicará controles regulamentares entre a ilha da Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte. O dispositivo provocou a revolta dos unionistas norte-irlandeses do DUP, que o consideram um ataque à integridade do Reino Unido. Quando produtos procedentes de países terceiros, como os Estados Unidos, destinados a permanecer na província, entrarem na Irlanda do Norte serão aplicadas tarifas britânicas. Caso as mercadorias provenientes de países terceiros sejam destinadas a entrar na UE por meio da Irlanda do Norte, as autoridades britânicas aplicarão as tarifas da UE.
Anuência norte-irlandesa
- A Assembleia regional da Irlanda do Norte terá a última palavra sobre a aplicação a longo prazo das regras europeias em seu território, por meio de um mecanismo de ;consentimento;. A assembleia deve aprovar, por maioria simples, durante o período de transição, se deseja aplicar os dispositivos a partir de 1; de janeiro de 2021, e confirmar essa disposição a cada quatro anos. Caso decida abandonar a regulamentação europeia, o protocolo deixará de ser aplicado depois de dois anos.
IVA
- Para evitar uma fronteira física entre as duas Irlandas e proteger a integridade do mercado único europeu, as normas da União Europeia em termos de IVA sobre as mercadorias continuarão sendo aplicadas na província britânica. Os serviços alfandegários do Reino Unido serão os responsáveis pela aplicação do IVA.
Livre-comércio
- Na declaração política que acompanha o Tratado de Retirada, Londres e Bruxelas estabelecem a intenção de alcançar uma relação comercial pós-Brexit ;sem tarifas de importação nem cotas;. Em troca, o bloco europeu exige garantias sobre o respeito de condições de concorrência justas. O objetivo é evitar que o Reino Unido se transforme em um concorrente ;desleal; na porta da UE, que não cumpra as normas sociais, fiscais e ambientais do bloco.