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Por que elas vivem mais

Diversos fatores fazem com que a expectativa de vida das mulheres seja maior do que a dos homens. No mundo, a diferença é de 4,4 anos, segundo a OMS. Pesquisas demonstram a influência dos hormônios, do estilo de vida e de características cerebrais

postado em 22/12/2019 04:05

;Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil. Em que espelho ficou perdida a minha face?; O trecho do poema Retrato é um relato de como a escritora Cecília Meireles foi surpreendida pelas mudanças causadas pela chegada da idade. Esse sobressalto é comum a outras mulheres, que, além das alterações físicas, precisam lidar com outras mudanças biológicas em seu organismo, como a menopausa. Pesquisas mostram que, em todo o mundo, as mulheres vivem mais do que os homens, mas por que isso ocorre? Uma série de fatores, como a genética, o comportamento e os hormônios, contribui para esse cenário. Especialistas buscam entender essa diferenciação e defendem medidas para que a população feminina possa lidar melhor com essas mudanças.

Em abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma série de dados sobre a diferença de expectativa de vida entre os gêneros. O órgão revelou que, com base nos recentes riscos de mortalidade, meninos que nascerem neste ano viverão, em média, 69,8 anos, e meninas, 74,2 anos ; uma diferença de 4,4 anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a expectativa de vida ao se nascer no país em 2018 é de 80 anos para mulheres e 73 anos para homens. ;Por homicídio, acidentes de trânsito, suicídio e doenças cardiovasculares, os homens estão pior do que as mulheres;, lista Richard Cibulskis, principal autor do Panorama Mundial de Estatísticas de Saúde da OMS 2019.

As mulheres estão vivendo mais em todo o mundo, e os especialistas mostram dados que ajudam a explicar esse fenômeno. Uma das justificativas é que elas se cuidam mais. ;Em países com epidemia de Aids, por exemplo, vemos que os homens são menos propensos a fazer o teste de HIV do que as mulheres e, dessa forma, menos propensos a ter acesso à terapia antirretroviral. Consequentemente, apresentam risco maior de morrer de doenças relacionadas a essa enfermidade;, destacaram os autores do documento da OMS.

O panorama também ressalta que o padrão se repete em relação a outras enfermidades. Segundo os especialistas, em 2016, dados mostraram que os riscos de um homem de 30 anos morrer de uma doença não transmissível antes dos 70 anos era 44% maior do que o de uma mulher com o mesmo perfil, devido principalmente à falta de atenção a cuidados médicos, como no caso de doenças cardíacas, que exigem atenção à dieta e exames feitos periodicamente.

Recompensa


Especialistas também acreditam que uma das explicações para comportamentos tão distintos sãos os hormônios. Algumas pesquisas apontam que a testosterona pode estar relacionada a um comportamento mais inconsequente. ;Não temos provas, mas muitas pesquisas defendem que ela estimula o homem a ter comportamentos de risco. Temos trabalhos que mostram que a área de recompensa do cérebro, por exemplo, dispara mais nos homens quando o cigarro é consumido;, diz Victor Calil, neurocientista do Instituto Idor de Pesquisa, no Rio de Janeiro. ;Mas, claro, que os fatores culturais também podem influenciar;, complementa.

Para Calil, entender melhor essas diferenças pode ser algo positivo para a área médica. ;Hoje, ainda estamos compreendendo esses aspectos comportamentais e como nosso cérebro funciona. Com mais dados relativos a esse tipo de diferenças entre os gêneros, poderemos usá-los para aumentar a longevidade, por exemplo;, acredita.

Pesquisas laboratoriais diversas já mostraram que o estrogênio, hormônio feminino, ajuda a reduzir o envelhecimento das células devido a um efeito antioxidante que proporciona ao organismo. ;O estrogênio, hormônio feminino, tem diversas funções no organismo, como ação anti-inflamatória, osteoprotetora, neuroprotetora e cardiovascular;, explica Wanessa Stival, endocrinologista e metabologista do Instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília.

Gordura


Apesar desses fatores protetivos, os hormônios também estão relacionados a uma série de problemas de saúde, tanto para homens quanto para mulheres. ;A proporção de estradiol e testosterona no organismo direciona o acúmulo de gordura para áreas mais periféricas, como quadril e coxas, no caso das mulheres, ou abdominal/visceral, no caso dos homens;, ressalta a médica. ;Esse acúmulo abdominal, além de ser altamente inflamatório, está intimamente relacionado a doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, colesterol alterado e síndrome metabólica, muito mais comum em homens;, completa.

Para Stival, mudanças simples podem ajudar as mulheres a se preparar melhor para o envelhecimento. ;Bons hábitos alimentares, combate ao estresse e atividade física sempre estiveram, e estarão, nas principais recomendações. Atualmente, a terapia de reposição hormonal feminina está muito mais segura e, quando bem indicada, pode melhorar muito a qualidade de vida e prolongar os efeitos benéficos do estradiol nessa fase da vida;, frisa.

A médica é otimista quanto ao futuro. Ela acredita que o envelhecimento feminino já ganhou e deve conquistar ainda mais aliados. ;Estamos caminhando na direção de novos tratamentos. A tecnologia tem auxiliado muito com exames melhores, protocolos mais seguros e métodos e medicamentos que permitem prevenir diversas doenças da senilidade e garantir muito mais qualidade de vida;, diz.

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