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EUA adotam sanções; Irã exige saída de tropas

Trump se afasta de retaliação militar a ataques com mísseis no Iraque, vê recuo de Teerã e adota mais medidas econômicas contra o regime. Aiatolá ordena fim da %u201Cpresença corrupta%u201D americana na região, e líder iraniano ameaça reação contundente

Correio Braziliense
postado em 09/01/2020 04:16
Trump se afasta de retaliação militar a ataques com mísseis no Iraque, vê recuo de Teerã e adota mais medidas econômicas contra o regime. Aiatolá ordena fim da %u201Cpresença corrupta%u201D americana na região, e líder iraniano ameaça reação contundente





O discurso de Donald Trump começou com um aviso: “Enquanto eu for presidente dos Estados Unidos, o Irã jamais terá a permissão de possuir uma arma nuclear”. Ao descartar vítimas no lançamento de 22 mísseis contra as bases usadas por soldados norte-americanos em Ain Al-Asad (noroeste do Iraque) e em Erbil, no Curdistão iraquiano, o republicano explicou que as instalações sofreram “danos mínimos”. “O Irã parece estar recuando, o que é uma coisa boa para todas as partes envolvidas e uma coisa muito boa para o mundo”, declarou à nação, no início da tarde. “Enquanto continuamos avaliando as opções em resposta à agressão iraniana, os EUA imediatamente imporão sanções econômicas punitivas adicionais ao regime do Irã. Essas sanções poderosas permanecerão até o Irã mudar o comportamento.” Menos de 24 horas depois do ataque iraniano, dois foguetes Katyusha caíram dentro da fortificada Zona Verde, em Bagdá, a poucos metros da embaixada americana. Ninguém ficou ferido.

Trump advertiu que a paz e a estabilidade não prevalecerão no Oriente Médio “enquanto o Irã continuar a fomentar violência, agitação, ódio e guerra”. Também chamou o general Qasem Soleimani — comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária morto por drones na sexta-feira, em Bagdá — de “o principal terrorista do mundo”. Ao fim do pronunciamento, ele se dirigiu ao povo e aos líderes do Irã. “Os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz com todos aqueles que a buscarem.” Fontes de inteligência de Washington e europeias admitiram a jornalistas que os iranianos deliberadamente buscaram evitar baixas durante a Operação Soleimani. No entanto, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, disse ter a certeza de que o Irã pretendia matar soldados. A Câmara dos Representantes espera votar, hoje, resolução limitando os poderes de resposta militar a Teerã e impedindo uma nova guerra. O tom uníssono no Congresso é pela redução das tensões.

Se Trump tentou contemporizar e se distanciar do confronto bélico, o regime de Teerã não abandonou a retórica da ameaça e tornou a condenar a presença militar americana no Oriente Médio. O aiatolá Ali Khamenei, guia supremo do Irã, exigiu a retirada militar dos Estados Unidos. “Na noite passada, foi dada uma bofetada na cara dos norte-americanos, mas tais ações militares não são suficientes. A presença corrupta dos EUA no oeste da Ásia tem que terminar”, avisou. Por sua vez, o presidente iraniano, Hassan Rouhani, enviou um conselho a Washington: “Se os Estados Unidos quiserem cometer outro crime, devem saber que receberão uma resposta mais firme. Se forem sábios, não o farão mais nesta fase”.

Status quo
Para James Gelvin, especialista em Oriente Médio pela Universidade da Califórnia (UCLA), a crise entre os EUA e o Irã está longe do fim. “Os interesses de ambos são diametralmente opostos. Os Estados Unidos são um poder do status quo na região. O Irã quer reduzir essa condição e criar um ambiente mais propício aos seus próprios interesses”, explicou ao Correio. Ele entende que política de Trump para o Oriente Médio se foca em dois pilares: fazer o contrário do ex-presidente Barack Obama e cortejar as lideranças saudita e israelense. “Trump adotou a iranofobia como se fosse algo inato e se cercou de assessores que sentem o mesmo.”

Segundo o estudioso, as políticas de Trump para o Irã fracassaram. “Ao se retirar do acordo nuclear assinado em 2015, ele abriu brecha para que Teerã se torne um Estado nuclear, como ato de autodefesa. O assassinato de Soleimani reduziu o ímpeto de iraquianos que exigem o fim da interferência iraniana no país e intensificou o desejo de interrupção da influência dos Estados Unidos no Iraque.”

Michael O’Hanlon, analista de defesa e política externa do Brookings Institution (em Washington), avalia que o tom de Trump foi positivo e correto para as circunstâncias atuais. “No entanto, isso levanta outras questões. Uma delas é de que forma ele neutralizará o confronto mais amplo com o Irã e consertará o desgastado relacionamento com o Iraque”, comentou. Por sua vez, Bruce Riedel — diretor do Projeto de Inteligência do Instituto Brookings e ex-funcionário da Agência Central de Inteligência (CIA) — disse à reportagem acreditar apenas em uma pausa na crise. “Os iranianos contam com fortes aliados no Oriente Médio, os quais estão ansiosos para vingar Soleimani. Enquanto os Estados Unidos permanecerem na região, o Irã pressionará por sua saída.”



"Os EUA estão prontos para abraçar a paz com todos aqueles que a buscarem”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos



"Na noite passada, foi dada uma bofetada na cara dos norte-americanos”
Aiatolá Ali Khamenei, guia supremo do Irã



Pontos de vista


Por James Gelvin

Gratidão ao regime

“O discurso de Trump ignora o perigo em que ele colocou os americanos em sua caótica política em relação ao Irã. Em vez disso, Trump deu uma ‘volta olímpica’ e deliberadamente confundiu sorte com previsão. Se este é o fim da resposta de Teerã, os americanos somente podem estar agradecidos pelo fato de o Irã, e não o governo dos EUA, ter visto perigo no aumento da tensão e suavizado a situação. A Casa Branca apontará a ausência de mortes no ataque às bases no Iraque como uma indicação do medo iraniano das consequências, em caso de baixas americanas.”

Especialista em Oriente Médio pela Universidade da Califórnia (UCLA)

   

Por Bruce Riedel


Foco na reeleição


“Trump quer evitar entrar em outra guerra interminável no Oriente Médio, o que condenaria ao fracasso suas chances de reeleição, em novembro. O presidente republicano está aproveitando a ausência de vítimas nos ataques a mísseis contra as duas bases para tentar amenizar a crise, na qual tolamente se meteu. No entanto, acredito que os iranianos dificilmente deixarão Trump em paz. A meta do regime iraniano é a expulsão dos Estados Unidos do Iraque. Teerã não será intimidado com as promessas de mais sanções econômicas.”

Diretor do Projeto de Inteligência do Instituto Brookings e ex-funcionário da Agência Central de Inteligência (CIA)

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