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Além dos pulmões

Pesquisas mostram como partículas tóxicas presentes no ar entram no sistema respiratório, se espalham pelo corpo e causam complicações diversas. Diabetes, irregularidade menstrual e maior vulnerabilidade a inflamações estão entre os problemas relacionados

Correio Braziliense
postado em 12/01/2020 04:06
A ligação com o surgimento de doença metabólica foi constatada mesmo com a exposição a níveis de poluição considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde

A associação entre poluição atmosférica e asma, alergias e câncer de pulmão já está bem estabelecida pela ciência. Contudo, só recentemente começaram a aparecer evidências de que os malefícios das partículas tóxicas concentradas no ar não se limitam ao aparelho respiratório. Estudos epidemiológicos e de campo mostram que a exposição a poluentes — algo de que dificilmente a população urbana escapa — tem implicações negativas bem mais amplas.

Recentemente, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis concluíram que mesmo a poluição atmosférica em níveis seguros (limite de 20µg/m³, segundo a Organização Mundial da Saúde) aumenta o risco de diabetes. A doença afeta, hoje, 250 milhões de pessoas globalmente, e os casos elevam ano a ano. As estimativas da OMS apontam que, até 2030, esse número pode dobrar. Os principais fatores de risco são dieta não saudável, obesidade e estilo de vida sedentário. Contudo, os autores do artigo, publicado na revista The Lancet, afirmam que as toxinas inaladas também desempenham um papel.

“Encontramos um risco aumentado, mesmo com baixos níveis de poluição do ar atualmente considerados seguros pela OMS. Isso é importante porque muitos grupos de lobby do setor argumentam que os níveis atuais são muito rigorosos e devem ser relaxados, quando, na verdade, precisam ser reforçados”, destaca Ziyad Al-Aly, MD, autor sênior do estudo e professor-assistente de medicina na Universidade de Washington. De acordo com ele, até hoje o fardo da poluição na incidência de diabetes não havia sido quantificado, embora a hipótese tenha sido levantada anteriormente.

Para avaliar a poluição atmosférica no ambiente externo, os pesquisadores analisaram partículas — pedaços microscópicos de poeira, sujeira, fumaça, fuligem e gotículas líquidas no ar. Estudos anteriores descobriram que essas substâncias podem entrar nos pulmões e invadir a corrente sanguínea. No caso do diabetes, acredita-se que a poluição reduza a produção de insulina e desencadeie a inflamação que impede o corpo de converter a glicose no sangue em energia necessária para manter a saúde.

Os cientistas estimaram que a poluição contribuiu para 3,2 milhões de novos casos de diabetes em todo o mundo em 2016, o que representa cerca de 14% de todos os registros inéditos da doença naquele ano. Eles também calcularam que 8,2 milhões de anos de vida saudável foram perdidos em 2016 devido exclusivamente ao diabetes associado à inalação de partículas tóxicas.

Também devido aos hormônios, a poluição atmosférica pode afetar os ciclos menstruais, tornando-os irregulares, segundo um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston. De acordo com a ginecologista Shruthi Mahalingaiah, um dos autores da pesquisa, o sistema endócrino reprodutivo é fortemente influenciado por partículas tóxicas suspensas no ar: “Há efeitos negativos bem documentados nesse sentido, incluindo infertilidade, síndrome metabólica e síndrome dos ovários policísticos”, afirma.

Agora, a equipe de cientistas descobriu também que a exposição à poluição do ar entre adolescentes de 14 a 18 anos está associada a risco aumentado de irregularidade menstrual. Além disso, demora-se mais a atingir a regularidade no início da vida adulta. “O ciclo menstrual responde à regulação hormonal, e a poluição do ar por partículas altera a produção hormonal”, diz a pesquisadora, que publicou um artigo sobre o estudo na revista Human Reproduction.

Metabolismo celular

Evidências como essas incentivaram uma equipe da Universidade de Búfalo (UB) a pesquisar como a toxicidade no ar afeta o organismo no nível dos metabólitos — o produto do metabolismo de células ou moléculas. Eles fizeram isso em uma das cidades mais poluídas do mundo — Pequim —, avaliando o comportamento dessas substâncias antes, durante e depois das Olimpíadas de 2008. Os resultados foram publicados no ano passado pela revista Environmental Health Perspectives. Durante o evento, o governo chinês adotou controles temporários de poluição, abandonados, contudo, após o encerramento.

“Pense em nosso corpo como uma sociedade. Esses metabólitos cumprem posições diferentes, como professor, agricultor, trabalhador, soldado. Precisamos que cada um funcione adequadamente para manter um sistema saudável”, compara Lina Mu, coautora do artigo e professora-associada de epidemiologia e saúde ambiental na Escola de Saúde Pública e Profissões da Saúde da UnB. “Nosso estudo descobriu que o corpo humano sofreu alterações sistêmicas no nível de metabólitos antes, durante e após as Olimpíadas de Pequim em 2008, quando a poluição do ar ambiente mudou drasticamente.” De acordo com a cientista, 69 dessas substâncias foram alteradas significativamente quando a qualidade do ar mudou. Muitas delas estão envolvidas em estresse oxidativo, inflamações, sistemas cardiovascular e nervoso.

Duzentos e um adultos participaram do estudo. Os pesquisadores os acompanharam durante os Jogos Olímpicos, quando a poluição do ar estava baixa, e, posteriormente, quando os níveis retornavam à sua máxima habitual na cidade de 21 milhões de pessoas. Os cientistas usaram uma plataforma que mede toda uma coleção de metabólitos detectáveis — 886, no caso da pesquisa — simultaneamente. “Juntos, esses metabólitos representam uma imagem relativamente abrangente das respostas do corpo humano à poluição atmosférica”, diz Lina Mu.


14%
dos casos de diabetes registrados no mundo em 2016 tiveram alguma relação com o contato com a poluição atmosférica, segundo pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis



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