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A ameaça de um novo Holocausto

Em evento sobre o 75º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, Benjamin Netanyahu cobra aliança global contra o Irã. O premiê de Israel alerta para %u201Co regime mais antissemita do planeta%u201D e compara o nazismo à ideologia de Teerã

Correio Braziliense
postado em 24/01/2020 04:42
Em evento sobre o 75º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, Benjamin Netanyahu cobra aliança global contra o Irã. O premiê de Israel alerta para %u201Co regime mais antissemita do planeta%u201D e compara o nazismo à ideologia de Teerã

A quatro dias do 75º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz — um dos principais símbolos da matança de 1,1 milhão de judeus — pelas tropas soviéticas, 40 chefes de Estado e de governo se reuniram ontem no Museu do Holocausto Yad Vashem (em Jerusém) para lembrar a data e fazer um alerta para que o genocídio não se repita. Entre os convidados do 5º Fórum Mundial sobre o Holocausto, considerado pelas autoridades de Israel como o encontro mais importante da história do país, estavam os presidentes Vladimir Putin (Rússia), Emmanuel Macron (França) e Alberto Fernández (Argentina), além do vice norte-americano, Mike Pence, e do príncipe Charles. O anfitrião primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, instou a comunidade internacional a elevar o tom contra o regime iraniano, classificado por ele como o “regime mais antissemita do planeta”. “Peço a todos os governos que se unam aos esforços para enfrentar o Irã. Israel fará o que for necessário para defender seu povo e o futuro dos judeus. Não pode haver outro Holocausto.”

O discurso foi avalizado por Pence. “Devemos nos preparar para enfrentar a maré do antissemitismo (...) para que possamos permanecer firmes diante do primeiro Estado a promover o antissemitismo”, disse, ao citar a “República Islâmica do Irã”. Netanyahu agradeceu aos EUA por “confrontar os tiranos de Teerã, que subjugam seu próprio povo e ameaçam a paz e a segurança do mundo inteiro”. “Ainda temos de ver uma posição unificada e resoluta contra o regime mais antissemita do planeta”, cobrou o primeiro-ministro.

Para Netanyahu, a ameaça nazista do passado agora tem outro nome, o Irã, porque a Repúlica Islâmica ameaçaria, com o programa nuclear e de mísseis balísticos, a própria existência de Israel. “O povo judeu aprendeu as lições do Holocausto: não minimizarmos as ameaças de nos aniquilar, enfrentá-las quando são pequenas e, ainda que apreciemos a ajuda de nossos amigos, nos defendermos sozinhos”, acrescentou, em mais uma referência ao país vizinho. Netanyahu já havia estabelecido uma relação entre a “Solução Final” dos nazistas e a ameaça representada pelo Irã. “Nos campos de extermínio nazistas, um terço do povo judeu foi morto. Hoje, o Irã declara abertamente todos os dias que deseja apagar Israel da face da Terra”, lembrou, poucos dias atrás.

Sem proferir a palavra “Irã”, Emmanuel Macron pediu firmeza diante do antissemitismo crescente em vários países e defendeu a ideia de que a “negação da existência de Israel como um Estado” era uma “forma contemporânea” de antissemitismo, ao fazer uma advertência contra a instrumentalização do Holocausto. “Ninguém tem o direito de convocar seus mortos para justificar qualquer divisão ou algum ódio contemporâneo, porque todos os que caíram nos obrigam à verdade, à memória, ao diálogo, à amizade”, afirmou, logo depois dos pronunciamentos de Netanyahu e de Pence.

Cem sobreviventes do Holocausto participaram das comemorações. Entre eles, estava Yona Amit, 81 anos, que foi escondida dos nazistas quando era criança, em meio à Segunda Guerra Mundial. Perdeu vários membros da família, incluindo um primo. “Troquei meu sapato com ele quando brincávamos”, antes de sua captura, relatou. “Todos foram enviados diretamente para Auschwitz (...) E, entre eles, meu primo, com meus sapatos, enviado para as câmaras de gás. Meus sapatos ficaram numa montanha de sapatos em Auschwitz. Eles estavam lá. E eu ainda estou aqui”, acrescentou.

Revisionismo
Aliado de Teerã, o líder russo, Vladimir Putin, foi saudado pelo ministro israelense das Relações Exteriores, Israel Katz. “Em Israel, admiramos o heroísmo do povo russo na guerra e o papel crucial do Exército Vermelho na derrota da Alemanha nazista e na libertação dos campos de extermínio, incluindo Auschwitz”, disse Katz, segundo seu porta-voz. Putin evitou fazer qualquer referência aos iranianos e defendeu a busca de “respostas comuns aos desafios das crises contemporâneas” (leia nesta página).

Andrzej Duda, presidente da Polônia, país sob ocupação nazista durante a guerra em cujo território estava o campo de Auschwitz, não participou das comemorações — seu nome foi excluído da lista de oradores. A imprensa internacional atribuiu a ausência a um mal-estar causado pelo revisionismo histórico proposto por Putin. Por várias vezes, o chefe do Kremlin citou supostas cumplicidades entre a Alemanha nazista e os países ocupados pelas tropas de Adolf Hitler. Na véspera, Duda acusou Putin de propagar uma “mentira histórica” sobre a Segunda Guerra Mundial. O russo também parcialmente culpou os poloneses por terem deflagrado o conflito. “As palavras de Vladimir Putin são uma completa distorção da verdade histórica. Nós damos a isso um nome bastante direto, isso é uma ideologia, um tipo de revisionismo pós-stalinista”, afirmou, em entrevista ao jornal Financial Times.




Trump receberá premiê na terça-feira
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, visitará Washington na próxima terça-feira, a convite do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a Casa Branca. Benny Gantz, rival de Netanyahu nas eleições legislativas israelenses de março, “aceitou também o convite de vir a Washington”, acrescentou o governo americano em um comunicado no qual não se especifica se as visitas ocorrerão no mesmo dia. “Estados Unidos e Israel são fortes parceiros, e a visita do primeiro-ministro é uma oportunidade para discutir sobre nossos interesses compartilhados em segurança regional e nacional”, explicou a Casa Branca.  A Autoridade Palestina informou que reitera seu rechaço a um projeto de paz norte-americano.




"Peço a todos os governos que se unam aos esforços para enfrentar o Irã. Israel fará o que for necessário para defender seu povo e o futuro dos judeus”
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel




União de fés e memória preservada


Muçulmanos visitam Auschwitz

Em um gesto de respeito à memória das vítimas do Holocausto, uma delegação de judeus acompanhou ontem Muhammad bin Abdul Karim Issa (C), secretário-geral da Liga do Mundo Muçulmano, e 25 clérigos islâmicos em um tour por Auschwitz, em Oswiecim (Polônia). Issa, o mais importante líder islâmico a visitar o local, comandou orações no campo de extermínio. O rabino David Rosen, chefe do Departamento de Assuntos Interreligiosos do American Jewish Committee (AJC), integrou a missão e disse ao Correio que a visita foi “verdadeiramente histórica”. “Karim Issa é o mais importante burocrata muçulmano no mundo. Seu testemunho, sua solidariedade para com o povo judeu em relação ao Shoah (Holocausto), a condenação à negação do extermínio judeu; além de seu apelo por respeito mútuo e paz, tudo isso tem potencial de enorme impacto no mundo muçulmano”, afirmou. “A imagem dele e de sua delegação de clérigos muçulmanos orando em Birkenau  é uma manifestação visual de um novo espírito.”



Putin inaugura monumento
O presidente da Rússia, Vladimir Putin (foto), aproveitou a visita à Terra Santa para inaugurar um memorial em homenagem às vítimas do cerco de Leningrado pela Alemanha nazista, onde cerca de 800 mil pessoas morreram entre 1941 e 1944. “O cerco de (Leningrado) e o Holocausto são dois eventos que não podem ser comparados a nada”, disse o presidente russo, pedindo o combate ao antissemitismo sem mencionar o Irã, país do qual a Rússia permanece próximo. Em vez disso, o chefe do Kremlin convocou uma cúpula de líderes dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — Rússia, França, Reino Unido, China e Estados Unidos — para responder aos “desafios” contemporâneos, em um contexto de tensões exacerbadas Leste-Oeste. O monumento inaugurado ontem por Putin e Netanyahu, uma imensa vela de 8,5m de altura e 8,5t, foi instalado no Parque Sacher, em Jerusalém. Feita de bronze, a vela possui sensores que fazem com que ela  “acenda” quando alguém se aproxima.



Alerta contra o ódio
Em seu discurso no 5º Fórum Mundial sobre o Holocausto, em Jerusalém, o príncipe Charles (foto), herdeiro direto do trono britânico, advertiu que “o ódio e a intolerância ainda se escondem no coração humano”. Ele lembrou que as lições do Holocausto ainda são “surpreendentemente relevantes” e sublinhou que o ódio e a intolerância “contam novas mentiras, adotam novos disfarces e ainda buscam novas vítimas”. “Com muita frequência, é usada a linguagem que transforma as discordâncias em desumanização. As palavras são utilizadas como emblemas de vergonha, para marcar os outros como inimigos, para rotular aqueles que são diferentes”, acrescentou. O príncipe recomendou que os líderes mundiais sejam “vigilantes” no discernimento dessas ameaças. “Devemos ser destemidos na confrontação das falsidades e resolutos em resistir a palavras e a atos de violência”, declarou Charles. “E nunca devemos descansar na busca de criarmos entendimento e respeito mútuos.”


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