Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:06
Nos últimos 7.004 dias, os peruanos enfrentaram uma série de casos de corrupção e assistiram a presidentes e ex-chefes de Estado abandonarem o poder, serem detidos e cometerem suicídio para não prestarem contas à Justiça. O escândalo envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht levou à renúncia e à prisão de Pedro Pablo Kuczynski e à morte de Alan García. Também respingou em Keiko Fujimori, principal líder da oposição e herdeira do ex-líder Alberto Fujimori (1990-2000).
Na tentativa de reconstruir a reputação política e encerrar a crise, o Peru realiza, amanhã, eleições legislativas antecipadas convocadas por decreto, depois da dissolução do Congresso pelo atual presidente, Martín Vizcarra, em 30 de setembro passado. A expectativa é de que a renovação do Congresso da República do Peru interrompa quatro anos de domínio exercido pelo partido fujimorista Fuerza Popular no Legislativo. As recentes pesquisas apontam que a facção populista de Keiko perderá dezenas de assentos no Parlamento conquistados em 2016 (73 de um total de 130).
Ex-procuradora Ad Hoc do Caso Odebrecht, a advogada peruana Katherine Ampuero Meza disse ao Correio acreditar que a votação dará nova conformação das bancadas políticas no Congresso. “Os atos de corrupção e de lavagem de dinheiro do megacaso conhecido como Lava-jato se vincularam a muitos de nossos políticos e partidos. Apesar disso, essas legendas (PPC, Apra, Fuerza Popular e Solidaridad Nacional) não foram impedidas de participar das eleições legislativas extraodinárias, repetindo a ausência de filtros para a escolha dos candidatos, muitos deles com denúncias e sentenças por corrupção ou por violência contra a mulher”, lamentou.
Katherine vê o risco de repetição de “episódios nefastos” protagonizados pelo Congresso dissolvido. “Confio que o povo fará uso do voto para eleger pessoas que não respondam por denúncias nem tenham sido acusadas de corrupção. Que os cidadãos escolham partidos sem vínculo com doações de campanha recebidas de empresas brasileiras que pagaram propinas a funcionários públicos, a fim de que eles se beneficiassem de obras importantes.”
“As eleições de amanhã serão importantes, porque encerram uma etapa de luta política, iniciada desde a assunção de Kuczynski ao poder (também em 2016). Cada eleição é sempre uma oportunidade. Neste caso, para a formação de um Congresso melhor”, afirmou à reportagem o cientista político Fernando Tuesta, professor da Pontificia Universidad Católica del Peru (PUCP). Ele prevê que o fujimorismo perderá ao menos um terço das cadeiras. “O novo Parlamento será menos confrontancional e terá um mandato de apenas 16 meses. Em julho deste ano, Vizcarra convocará eleições gerais para 2021. Esse cenário canaliza todo o conflito”, acrescentou.
Capítulo
O jornalista e analista político Augusto Álvarez Rodrich concorda com Tuesta. “Com esta eleição, se fecha um capítulo da história do Peru, depois da grande turbulência dos últimos três anos, representada pelo impeachment e renúncia do presidente Kuczynski, pelo referendo de 2018 (o qual legitimou reformas constitucionais) e pela dissolução do Congresso”, disse. “Abre-se outro capítulo, que não tem de ser necessariamente melhor do que o anterior.”
De acordo com Milagros Campos, professora de direito constitucional da PUCP, as eleições de amanhã serão peculiares por uma série de razões. Ela lembra que, pela primeira vez, o Congresso foi dissolvido no marco da Constituição, apesar de tal mecanismo ser previsto pela Carta Magna de 1979. “Tradicionalmente, as eleições presidenciais e legislativas são simultâneas, o que faz original um pleito para um período parlamentar de 15 meses”, afirmou, por e-mail. Milagros explicou que o Fuerza Popular obteve 39% dos votos nas eleições parlamentares de 2016, conquistando 56% dos assentos. “A porcentagem seguramente será reduzida. Com o alto número de indecisos, não se sabe o quanto.”
A professora da PUCP reconhece que a Operação Lava-jato e as políticas anticorrupção ocupam boa parte da agenda nacional. “No caso do Congreso, estão pendentes de debate e de aprovação normas propostas pelo Executivo no marco da reforma política, que teve como um dos quatro eixos a luta contra a corrupção e o desenvolvimento de políticas de integridade”, observou Milagros.
Eu acho...
“O Peru enfrentou uma crise política, produto da polarização e da escalada de conflitos entre Executivo e Legislativo. O rumo tomado pelas relações entre os dois poderes dependerá do resultado das eleições de amanhã, ainda que projeções indiquem que nenhum partido terá maioria absoluta. Apenas quatro partidos aprovariam a cláusula de barreira para eleger 130 congressistas em 26 circunscrições. Prevê-se um Congresso fragmentado, majoritariamente novo e com pouca experiência política. As decisões parlamentares exigirão a formação de coalizões para a tomada de decisões a favor ou contra o governo.”
Milagros Campos, professora de direito constitucional da Pontificia Universidad Católica do Peru
“As eleições de amanhã definirão o novo Congresso e sua relação com o Poder Executivo, o qual tem sido a principal causa de instabilidade política no passado recente do Peru.”
Augusto Álvarez Rodrich, jornalista, analista político e diretor da emissora RTV (em Lima)
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