Mundo

Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:06


Parcerias com nova abordagem

O segundo ano do governo Bolsonaro começa, na frente externa, com movimentos que explicitam e aprofundam a orientação afirmada e delineada nos primeiros 12 meses da dobradinha entre o presidente e o chanceler Ernesto Araújo. Desta vez, é o ministro da Economia, Paulo Guedes, quem se encarrega de “vender o peixe” no fórum de Davos. Fará, entre os líderes mundiais e empresários reunidos na Suíça, o papel de “posto Ipiranga”, a postos para responder às perguntas dos interessados em investir no país.

Enquanto isso, por mares exaustivamente navegados desde Camões (e Cabral), o presidente e o chanceler fazem visita à Índia. Se o destino não é propriamente novo, em especial no período mais recente da diplomacia brasileira, é na abordagem ensaiada que se fará ouvir a mensagem que resume a orientação imprimida desde janeiro de 2019. O país quer se inserir no mundo pela porta dos negócios. E privilegia os contatos feitos a dois, olhos nos olhos, em lugar dos arranjos coletivos.

Foi assim, é bom lembrar, com a China — que, como a Índia, compõe com Brasil, Rússia e África do Sul o bloco do Brics. Bolsonaro não menciona sequer a ideia de que seu governo deixe o grupo dos emergentes, mas deixou patente o desinteresse do Planalto e do Itamaraty, na gestão atual, pelas articulações de alcance geopolítico e globalista, como foi a vocação da dupla Lula-Celso Amorim. Ainda mais com o principal parceiro comercial, o tom é priorizar trocas e investimentos.

Era uma vez...
O caso da Índia é tanto mais ilustrativo da reprogramação externa por representar, na prática, o abandono de outra noção cara à diplomacia Sul-Sul, bússola dos governos petistas. Celso Amorim, o chanceler que por mais tempo ocupou o cargo desde o Barão do Rio Branco, enxergava a inserção internacional do país em um sistema de círculos concêntricos. No mais próximo, a integração regional latino-americana, com o Mercosul como âncora. O Brics, na órbita mais ampla, atendia à necessidade de amplificar a voz do Brasil em foros como ONU e OMC.

Entre os dois extremos, Índia, Brasil e África do Sul formavam o Ibas, visto então como articulação entre grandes democracias emergentes, com interesses próprios, comuns, porém distintos, por vezes, dos que as aproximavam de Moscou e Pequim. O ingresso da África do Sul no Bric original, acrescentando o “s” de seu nome em inglês, terminou por dissolver o Ibas, na prática, dentro do bloco mais amplo. Agora, a abordagem pragmática e “de resultados” que norteia a política externa tende a se impor: a intensidade dos abraços e apertos de mão se fará determinar pelas cifras das relações econômicas.

Controle de danos
A pronta demissão do secretário Nacional de Cultura, Roberto Alvim, ajudou a conter o impacto diplomático do discurso decalcado nas definições políticas lançadas, nos anos 1930, pelo ideólogo nazista Joseph Goebbels. Em especial, o esforço de caracterizar plenamente a exoneração como gesto unilateral do presidente teve endereço claro: no âmbito interno, a indignação manifestada pela comunidade judaica; no externo, o desconforto causado ao governo israelense. Em ambas as frentes, tratou-se de zelar por amizades construídas ainda em campanha, com o anúncio de uma guinada na política brasileira para o Oriente Médio, vista pelos interessados como marcadamente pró-árabe.

Depois de ter feito de Israel um de seus primeiros destinos de visita oficial, ainda nos primeiros meses de mandato, e de ter acenado com o reconhecimento de Jerusalém como “capital eterna e indivisível” de Israel, como reza a Constituição do Estado judeu, Bolsonaro atrelou a imagem de seu governo, no Oriente Médio, à aliança com o premiê Benjamin Netanyahu. Em março, ele enfrentará as urnas em busca de mais um mandato — e da imunidade contra os processos por corrupção nos quais é réu.

Caso tenha êxito, “Bibi”, como é conhecido por lá, acena com a anexação de um terço — a porção mais fértil e populosa — do território da Cisjordânia, ocupado por Israel desde a guerra de 1967 e indispensável à instalação de uma Palestina soberana. Por sinal, o reconhecimento do Estado palestino independente nas fronteiras anteriores a 1967, o que inclui o setor oriental de Jerusalém, foi um dos últimos atos de Lula antes de deixar o Planalto, no fim de 2010.





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