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Risco global elevado

Em novo comunicado, Organização Mundial da Saúde admite "erro de formulação" em relatórios anteriores e confirma gravidade do coronavírus em nível internacional. Capital chinesa registra o primeiro óbito de paciente contaminado

Correio Braziliense
postado em 28/01/2020 04:20
Em Pequim, população segue protocolo de segurança: são 2,7 mil casos oficiais, mas cientistas de Hong Kong estimam que ultrapassam 40 mil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) corrigiu avaliações feitas em três relatórios divulgados na semana passada e define, agora, como grave o risco do coronavírus em nível internacional. Segundo a agência das Nações Unidas, a  avaliação anterior, de perigo “moderado”, teria ocorrido devido a um “erro de formulação”. A OMS, contudo, ainda não categoriza o novo micro-organismo como uma emergência global — essa classificação é usada para epidemias que exigem reação mundial, como nos casos da gripe H1N1 em 2009, e do vírus zika em 2016.

Na correção, publicada no site oficial, a OMS indica que a “avaliação de risco (...) não mudou desde a última atualização (22 de janeiro): muito alto na China, alto no nível regional e alto em todo o mundo”. Em relatórios posteriores ao divulgado na última quarta-feira, a agência da ONU apontou que o risco global era comedido. “Foi um erro de formulação nos relatórios de 23, 24 e 25 de janeiro, e nós o corrigimos”, explicou uma porta-voz da instituição à agência de notícias France Presse.

Desde dezembro do ano passado, quando surgiram os primeiros casos na cidade chinesa de Wuhan, 82 pessoas morreram. Ontem, o primeiro óbito foi confirmado na capital, Pequim: um homem de 50 anos, que morreu de insuficiência respiratória, após visitar o epicentro da epidemia do novo vírus. São mais de 2,7 mil casos de contágio oficialmente confirmados na China, incluindo o de um bebê de 9 meses. Cerca de 50 pacientes foram identificados em outras partes do mundo, incluindo vários países da Ásia, Austrália, Europa e América do Norte.

Cautela
Na última quinta-feira, a OMS considerou que ainda era “muito cedo” para falar de uma emergência de saúde pública de alcance internacional. “Ainda não é uma emergência de saúde global, mas pode vir a ser”, declarou o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que, domingo passado, anunciou sua viagem para Pequim.

O termo de emergência de saúde global foi usado para epidemias anteriores como o Ebola, que atingiu parte da África Ocidental entre 2014 e 2016 e a República Democrática do Congo desde 2018. A cautela não é sem razão: a OMS foi alvo de críticas nos últimos anos, seja por excesso, seja por economia de zelo nas classificações de riscos. Enquanto em 2009 alguns consideraram alarmista a postura da agência durante a epidemia do vírus H1N1, outros a acusaram de não ter assumido a verdadeira extensão da crise deflagrada pela epidemia de ebola no continente africano.

De acordo com um grupo de cientistas da Universidade de Hong Kong (HKU), o número de casos do coronavírus pode superar 40 mil. Com base em modelos matemáticos da propagação do micro-organismo, os pesquisadores afirmam que a quantidade real de contágios é muito superior ao balanço das autoridades, que considera apenas os casos formalmente identificados.

“O número de casos confirmados que apresentam sintomas deveria ser da ordem de 25 mil ou 26 mil no dia do ano-novo chinês, no sábado passado”, afirmou Gabriel Leung, chefe da equipe de cientistas, durante uma entrevista em Hong Kong. “Incluindo as pessoas que estão em período de incubação, e ainda não apresentam sintomas, o número se aproxima dos 44 mil (no sábado)”, completou.

O pesquisador também explicou que o número de contágios poderia dobrar a cada seis dias. Leung destacou que medidas eficazes de saúde pública podem  reduzir o ritmo de contágio. “Devemos nos preparar para o fato de que essa epidemia, em particular, se converta em uma epidemia mundial. Devem ser adotadas o mais rápido possível medidas importantes e draconianas para limitar os movimentos da população”, assinalou Leung.

Da família dos coronavírus, como o Sars, o novo vírus (2019-nCoV) causa sintomas gripais em pessoas que o contraíram e pode levar à síndrome respiratória grave. As autoridades chinesas determinaram amplas restrições de viagens em todo o país, numa tentativa desesperada de impedir que o vírus se espalhe ainda mais. As proibições de transporte foram decretadas em Wuhan e em outras cidades na província central de Hubei, efetivamente isolando cerca de 56 milhões de pessoas. Há registros de pacientes em grandes cidades do país, como Xangai, Shenzhen e Cantão.





Feriado prolongado
A China decidiu prolongar por três dias as folgas do ano-novo para adiar o grande fluxo nos transportes e reduzir o risco de propagação do novo coronavírus. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, chegou ontem à região de quarentena de Wuhan, epicentro da epidemia.  Quatro dias após o anúncio de quarentena na cidade de 11 milhões de habitantes, essa é a primeira visita de uma autoridade do regime comunista à localidade desde o surgimento da epidemia do novo coronavírus.




O que se sabe
As características do novo vírus começam a ficar mais evidentes: segundo especialistas, ele é menos mortal que o da Sars, porém mais transmissível.

— Mortalidade
O novo vírus, batizado 2019-nCoV, e o da Sars pertencem à mesma família de coronavírus e no plano genético têm 80% de semelhanças. Teriam força diferente. “O que vimos até agora é que esta doença (...) não é tão violenta quanto a Sars”, disse Gao Fu, diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças. “Temos a impressão (...) de que a propagação desse vírus é mais rápida que a Sars, mas sua mortalidade é claramente menor”, concordou a ministra da Saúde da França, Agnès Buzyn, do país onde foram detectados os primeiros casos da Europa.

— Transmissão
Os cientistas do Imperial College de Londres estimam que “em média, cada caso (de um paciente portador do novo coronavírus) infectou 2,6 pessoas a mais”. No caso da Sars, estima-se que cada caso tenha infectado uma média de 2 a 3 pessoas (como a gripe), mas com grandes disparidades. No caso do novo vírus, aparentemente, o contágio é possível durante o período de incubação, ou seja, antes mesmo que os sintomas apareçam.  “É muito diferente da Sars”, insistiu Ma Xiaowei, diretora da Comissão Nacional de Saúde da China.

— Sintomas
A doença causada pelo novo coronavírus e a Sars apresentam sintomas comuns, de acordo com a observação dos 41 primeiros casos detectados na China. Todos os pacientes sofriam de pneumonia, quase todos tinham febre, três em cada quatro tossiam e mais da metade apresentava dificuldades respiratórias. Mas existem diferenças notáveis com a Sars, como a ausência de sintomas que afetam as vias aéreas superiores (congestão nasal, dor de garganta, espirros). A idade média dos 41 pacientes é de 49 anos, e menos de um terço sofreu doenças crônicas (diabetes, problemas cardiovasculares...). Quase um terço teve uma condição respiratória aguda e seis morreram.

— Controle da epidemia
A epidemia de Sars foi contida em vários meses, graças à extensa mobilização internacional. A China impôs rígidas medidas de higiene à sua população, além de dispositivos de isolamento e quarentena. O país também proibiu o consumo de gatos da algália, um mamífero pelo qual o vírus foi transmitido ao homem. No caso do novo vírus, não se sabe até agora qual animal desempenha esse papel intermediário. Enquanto isso, a China proibiu o comércio de todos os animais selvagens.





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