Correio Braziliense
postado em 29/01/2020 04:06
As principais raízes do conflito árabe-israelense não foram contempladas. Jerusalém manterá o status de capital indivisível do Estado de Israel. O governo israelense, inclusive, anexará assentamentos judaicos construídos na Cisjordânia, com cerca de 30% desse território palestino retornando oficialmente ao seu domínio. Israel ganhará controle sobre parte do fértil Vale do Rio Jordão. Os refugiados palestinos não terão o direito de retornar à Terra Santa. As bases do chamado “Acordo do Século”, apresentado ontem por Donald Trump na Casa Branca, concedem a Israel demandas históricas e praticamente inviabilizam a criação do Estado palestino. O plano de 80 páginas foi recebido com indignação e repúdio pelos palestinos e com reservas pela comunidade internacional (leia na página 13).
“Hoje, Israel dá um grande passo rumo à paz. (…) Minha visão apresenta uma solução realista de dois Estados, que resolve o risco do Estado palestino para a segurança de Israel”, declarou o presidente norte-americano, ao receber em Washington o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. “É a primeira vez que Israel autorizou a divulgação de um mapa conceitual, ilustrando os compromissos territoriais que deseja fazer pela causa da paz. É um desenvolvimento sem precedentes e muito significativo”, disse o magnata, que fez uma advertência: “O futuro Estado palestino só verá a luz do dia sob várias condições, incluindo um claro repúdio ao terrorismo”. O mapa indica que a Palestina compreenderia a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, conectadas por túneis ou rodovias elevadas.
Netanyahu lembrou que planos de paz do passado tentaram pressionar Israel a se retirar do Vale do Jordão, “um território vital”. “Mas você, senhor presidente, reconheceu que Israel deve ter a soberania no Vale do Jordão e em outras áreas estratégicas de Judeia e Samaria”, afirmou. O chefe do governo israelense destacou que a proposta de Trump aborda a causa principal do conflito, ao insistir que os palestinos finalmente terão de reconhecer Israel como um Estado judeu.
Desmilitarização
“O plano estipula que Israel manterá o controle de segurança em toda a área a oeste do Rio Jordão, dando a Israel uma fronteira oriental permanente. (…) Seu plano pede que o (movimento fundamentalista palestino) Hamas seja desarmado e que a Faixa de Gaza seja desmilitarizada. Deixa claro que o problema dos refugiados palestinos deve ser resolvido do lado de fora do Estado de Israel. Pede que nossa antiga capital Jerusalém permaneça unida sob a soberania de Israel”, acrescentou Netanyahu. Segundo o primeiro-ministro, o plano de Trump não expulsará israelenses ou palestinos de seus lares. Um sinal de que os assentamentos judaicos na Cisjordânia continuarão intocáveis.
Em entrevista ao Correio, o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, assegurou que o acordo foi formulado “para perpetuar a ocupação isaelense e a política de colonização do território palestino, ao impedir a implementação do direito internacional”. Ele sublinhou que o Estado palestino somente pode existir com a participação de seu povo e fundamentado nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. “A base de criação do Estado palestino devem ser as fronteiras de 4 de junho de 1967”, ressaltou. Para o diplomata, a estratégia da Casa Branca é “uma campanha eleitoral para beneficiar Netanyahu e Trump”. “O plano foi recusado não somente pelos palestinos como por 167 nações, pois contraria o direito internacional. Trump trata de assumir o papel das Nações Unidas, substituindo a comunidade internacional como se fosse o dono do mundo”, criticou Alzeben.
O norte-americano Richard Falk, professor de direito internacional pela Universidade de Princeton e relator especial da ONU para a Palestina Ocupada, disse à reportagem que a divulgação do plano dos EUA para o Oriente Médio causou menos interesse e entusiasmo do que se esperava, à exceção em Netanyahu e na opinião pública israelense. “Com base no momento e na forma de divulgação, parece claro que o plano pretende ajudar Netanyahu nas eleições de 2 de março, além de ser útil para Trump com respeito ao apoio dos evangélicos e dos judeus nas eleições de 3 de novembro. Há razões para acreditar, conscientemente ou não, que ele foi desenhado para garantir a rejeição palestina, permitindo a Israel adotá-lo e reivindicar a busca pela paz, bem como avançar com acordos unilaterais”, explicou.
Falk cita o fracasso de Trump em tratar do tema dos refugiados palestinos “de modo responsável” como uma deficiência e uma “trágica evasão humanitária”. “Há muito tempo, mais de 5 milhões de palestinos definham em vários campos de refugiados, sem direitos ou condições de vida decentes. Não pode haver paz enquanto essa situação persistir”, alertou. Por sua vez, Bader Al-Saif, especialista do Carnegie Endowment for International Peace e professor da Universidade do Kuwait, afirmou que “nenhum plano pode alcançar a paz quando não leva em consideração todas as questões levantadas por ambas as partes e não apenas por Israel”.
O “Acordo do Século”
Os principais pontos do plano de paz da Casa Branca
» Assentamentos israelenses
Israel concorda em congelar a construção de novos assentamentos judaicos por um período de quatro anos. Durante esse intervalo, detalhes de um acordo abrangente. O congelamento visa assegurar a possibilidade de uma solução baseada em dois Estados. Segundo o plano, “nenhum palestino ou israelense será arrancado de suas casas” — sugerindo que os assentamentos judaicos existentes na Cisjordânia ocupada permanecerão intocáveis.
» Soberania sobre as colônias
Os Estados Unidos reconhecerão a soberania israelense sobre territórios tratados pelo plano de Trump como parte de Israel. Eles incluem assentamentos judaicos em territórios palestinos ocupados.
» O status de Jerusalém
Jerusalém seguirá indivisível e permanecerá a capital de Israel, enquanto a capital do Estado da Palestina será Al-Quds e incluirá áreas de Jerusalém Oriental.
» Território palestino
O novo mapa do Oriente Médio “mais do que dobrará o território palestino e fornecerá uma capital palestina em Jerusalém Oriental”. O plano de Trump prevê a anexação, por parte de Israel, de boa parte do Vale do Rio Jordão.
» Economia palestina
O plano busca criar 1 milhão de novos empregos na Palestina e triplicar o Produto Interno Bruto (PIB) palestino.
O mapa conceitual da Terra Santa
“É com isso que um futuro Estado da Palestina pode parecer, com uma capital em partes de Jerusalém Oriental.” Em dois tuítes, um em inglês e outro em árabe, o presidente norte-americano, Donald Trump, publicou um mapa conceitual de como ficariam divididos os Estados de Israel e da Palestina, caso o plano de paz seja consolidado. No mapa, as áreas em azul representam o território palestino fictício. “Eu sempre estarei com o Estado de Israel e o povo judeu. Apoio fortemente sua segurança e seu direito de viver em sua pátria histórica. Está na hora da paz!”, escreveu o magnata republicano no Twitter.
Duas perguntas para
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília
Netanyahu avisou que pedirá ao seu gabinete, no domingo, a anexação dos assentamentos da Cisjordânia. De que forma o senhor vê essa manobra?
É uma agressão a mais ao povo palestino e aos seus direitos, além de uma afronta ao direito internacional, que não reconhece as colônias e os assentamentos, considerados ilegais. Inclusive, a algumas posições anteriores do governo norte-americano, que classificou de ilegais as políticas de assentamentos.
Quais serão as consequências desse plano, sob seu ponto de vista?
O povo palestino estará sob pressão do senhor presidente Trump. As medidas israelenses contra o povo palestino na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém, serão incrementadas, para criar situações difíceis de vida diária. Não aceitamos, de forma alguma, que nossos direitos sejam anulados. As pressões não surtirão efeito. A longo prazo, o povo palestino estendeu sua mão de paz para os vizinhos. Aceitamos 22% de território para criar nosso Estado, não para reduzir esses direitos a 13,2% do território da Palestina histórica. Podem estar seguros de que nenhum palestino aceitará isso, que pesem todas as pressões e ameaças. Tanto israelenses quanto americanos não aprendem com a história de que um povo que exige sua liberdade e seus direitos nunca será subordinado. Que esperem sentados, não vamos levantar a bandeira branca. (RC)
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