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Amizade entre Trump e Netanyahu atende a interesses eleitorais

Na semana passada, ao receber o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca, o presidente Donald Trump apresentou uma proposta de paz para o Oriente Médio

Correio Braziliense
postado em 02/02/2020 08:00
A relação é quase simbiótica e envolve ganhos eleitorais, segurança e alinhamento ideológico. A proximidade entre Israel e Estados Unidos tem razões estratégicas para ambos os países. Na semana passada, ao receber o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca, o presidente Donald Trump apresentou uma proposta de paz para o Oriente Médio que contempla demandas históricas do Estado judeu e praticamente ignora raízes do conflito árabe-israelense, como o status quo de Jerusalém e o direito ao retorno dos refugiados palestinos, além da existência de assentamentos na Cisjordânia ocupada. Ontem, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, anunciou a ruptura de “todas as suas relações”, incluindo na área de segurança, com Israel e Estados Unidos, em uma reunião extraordinária da Liga Árabe no Cairo para analisar o plano de Trump.

As concessões do republicano vêm de longa data. Em 6 de dezembro de 2017, antes de completar um ano de mandato, Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel e moveu a embaixada de Tel Aviv para a cidade. Uma ofensa para os palestinos. No início do ano seguinte, o magnata bloqueou US$ 65 milhões em ajuda a uma agência das Nações Unidas responsável pelos refugiados palestinos. Com frequência, o governo Trump usou o poder de veto sobre projetos de resoluções na ONU que condenavam o comportamento de Israel.

Netanyahu precisa do apoio de Trump para proteger Israel da ameaça representada pelo Irã. Trump necessita de Netanyahu para satisfazer uma importante porção de sua base eleitoral, na figura dos evangélicos e da comunidade judia. “A relação próxima surgiu de uma perspectiva similar de mundo, assim como de crenças e de interesses. Ambos são conservadores e adotaram visão realista sobre as relações internacionais, que combina força e diplomacia e pouco respeito pela ONU”, afirmou ao Correio Eytan Gilboa, especialista do Centro para Estudos Estrategicos Besa, em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv. “No âmbito doméstico, eles têm reclamado da cobertura midiática tendenciosa e da tentativa de minar suas políticas.”

Trump e Netanyahu estão envolvidos em intensa campanha política. Em 2 de março, Israel realizará a terceira eleição geral em menos de um ano. Oito meses depois, em 3 de novembro, Trump tentará um segundo mandato. Enquanto o israelense foi indiciado em três casos de corrupção, o americano está prestes a sobreviver ao impeachment. “Ambos gostariam de apresentar façanhas históricas dramáticas. O ‘Acordo do Século’ de Trump serve bem a esse propósito. Trump tem sido o principal presidente pró-Israel da história dos EUA. Sua base inclui um imenso bloco de eleitores evangélicos, que pressionaram por políticas favoráveis a Israel. O plano de paz o ajudará a assegurar a lealdade deles nas urnas”, disse Gilboa.

O estudioso israelense acredita que o plano de paz possa beneficiar Netanyahu, mas frisa que há um importante consenso entre os israelenses em relação às bases do acordo. “Há apenas poucas diferenças entre a coalizão e a oposição sobre o momento e os modos de implementar o acordo. Então, isso não deve ser um grande tema da campanha eleitoral”, reconhece Gilboa. “O indiciamento do premiê é um assunto maior, mas ele ainda tem uma forte base e eleitores que talvez digam que Netanyahu é corrupto, porém, tem relações estreitas com Trump e com (Vladimir) Putin (presidente da Rússia), o que o torna capaz de conquistar tremendo apoio internacional para as causas de Israel.”


Visão de mundo


Menachem Klein, professor de ciência política da Universidade Bar Ilan (em Ramat Gan) e autor de Arafat and Abbas portraits of leadership in a state postponed (Retratos da liderança de Arafat e Abbas em um Estado adiado), concorda que os dois líderes compartilham da mesma visão de mundo: neoliberal, capitalista, nacionalista ao extremo, contrária aos valores humanistas e liberais do oeste da Europa. “Eles comungam da mesma base política de comunidades religiosas e nacionalistas ao extremo e de unilateralismo na política”, explicou à reportagem.

Klein lembra que Netanyahu tentou mudar o foco de sua agenda eleitoral do indiciamento para a política externa e a anexação de assentamentos da Cisjordânia. O especialista considera prematuro avaliar se a guinada estratégica surtiu efeito positivo. “Mesmo que Netanyahu seja reeleito, eu dificilmente vejo como ele poderia estar no tribunal pela manhã e comandar o governo à tarde. Duvido que a Suprema Corte de Israel o permitirá fazê-lo. O que não é permitido para um ministro não pode ser permitido para um premiê”, observou.

Apesar das críticas palestinas ao plano de Trump, Gilboa vê vantagens para ambos os lados. Ele admite, no entanto, que a proposta da Casa Branca é mais favorável à segurança e ao interesse político de Israel. “A maioria dos planos americanos anteriores era favorável aos palestinos, mas eles perderam a oportunidade de aceitá-los. Pela primeira vez, há um caminho específico e detalhado até um Estado independente, trocas territoriais e populacionais e um imenso pacote de ajuda de US$ 50 bilhões. Israel aceitou essa rota. Trump culpou os palestinos pela rejeição”, comentou. Mas a histórica amizade entre americanos e o povo judeu pode ter o fiel da balança ao formular o plano.

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