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As Lições do impeachment

Acusação e defesa fazem alegações finais no julgamento político de Trump, e democratas alertam que Senado tem o dever de condenar o presidente. Especialistas admitem riscos à democracia. Iowa inicia processo de escolha de candidatos à eleição

Correio Braziliense
postado em 04/02/2020 04:08
Manifestantes se reuniram ontem do lado de fora do Capitólio, onde os senadores republicanos encurtaram o caminho para a absolvição de Trump


Com o julgamento político do presidente Donald Trump inclinado a uma absolvição quase sumária, analistas norte-americanos projetaram o impacto que o processo de impeachment terá sobre republicanos e democratas, que começaram, ontem à noite, a corrida rumo à Casa Branca (veja arte). No último dia das alegações no tribunal montado no Senado, ficaram explícitas as diferenças entre democratas e republicanos. Para Adam Schiff, deputado opositor que fez o papel de promotor no tribunal,  “a história não será gentil” com Trump. “Não se pode confiar em que este presidente faça o que é certo, nem por um minuto, nem por uma eleição, nem pelo bem do país. Você apenas não pode”, declarou. “Ele não vai mudar, e vocês sabem disso. (…) Trump violou o seu juramento, mas ainda não é tarde demais para respeitarmos o nosso.”

Colegas de Schiff na acusação a Trump advertiram que o Congresso tem o “dever” de condenar o mandatário. “Ninguém está acima das leis dos Estados Unidos, nem mesmo o presidente”, disse o deputado Jason Crow. Os senadores republicanos se apressam para absolver Trump até a noite de amanhã. O argumento é o de que Trump errou, mas não merece perder o cargo. Os trâmites finais do julgamento coincidiram com o caucus democrata (assembleia de eleitores) de Iowa, o início de quatro meses de primárias. “O presidente nada fez de errado”, assegurou o conselheiro da Casa Branca, Pat Cipollone, perante os 100 senadores que atuam como jurados.

Especialistas consultados pelo Correio afirmam que os opositores usarão o processo de impeachment para atacar Trump, enquanto o presidente buscará se legitimar como inocente. Trump é acusado de pressionar o colega ucraniano Volodymyr Zelensky a investigar o democrata Joe Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama, por supostos atos de corrupção cometidos em uma empresa de Kiev. Os EUA teriam condicionado uma ajuda militar de US$ 400 milhões a Kiev ao inquérito contra o político americano, potencial adversário de Trump nas eleições de 3 de novembro.

Para Keith E. Whittington, cientista político da Universidade de Princeton, os democratas ganharão munição para as eleições. “Eles irão à eleição destacando o comportamento perturbador do presidente e a falta de vontade dos congressistas republicanos em fornecer uma verificação agressiva sobre Trump. Os republicanos enfatizarão o fato de que o presidente foi finalmente absolvido e que o esforço do impeachment foi inteiramente partidário, impulsionado por uma aversão maior ao chefe de Estado”, disse à reportagem.

Envenenamento

Allan  Lichtman, especialista em história política pela American University (em Washington), Trump e seus simpatizantes no Congresso não apenas frustraram a investigação e o julgamento de seus crimes. “Eles também aniquilaram o remédio constitucional do impeachment como a última linha de defesa da nossa democracia. Desde o início, Trump e seus apoiadores envenenaram o processo com uma enxurrada de falsas acusações. Em seguida, o presidente bloqueou todas as testemunhas e os documentos, com a aquiescência do Senado, de maioria republicana”, comentou, por e-mail.

O mais grave, na opinião de Lichtman, é que a crescente defesa de seu cliente pela equipe jurídica de Trump ameaça o futuro de qualquer outro processo de impeachment. “Em primeiro lugar, seus advogados disseram que Trump nada fez de errado. Em segundo, argumentaram que abuso de poder não é passível de impeachment. A defesa terminou afirmando que o presidente poderia fazer o que quisesse (à exceção de um crime acusável) para garantir a própria eleição”, disse Lichtman.

Segundo ele, a absolvição de Trump, sem o depoimento de uma única testemunha ou sem produzir um único documento,  oferece um precedente para que cada presidente corrompa a eleição. “Isso permitiria a um presidente usar a prerrogativa legal de desclassificação para dar nossos segredos nucleares à Rússia ou à China, como contrapartida para ajudar em sua eleição. Também possibilitaria que o presidente ordenasse ao Departamento de Justiça investigar seus oponentes políticos, incluindo jornalistas e congressistas.”

Ontem, Trump usou o perfil no Twitter para incendiar os republicanos e provocar os democratas. “Tornem a América grande novamente” e “Mantenham a América grande”, escreveu o magnata na rede social. “Onde está o denunciante? Onde está o segundo denunciante? Por que o político corrupto (Adam) Schiff inventou minha conversa com o presidente ucraniano? Por que a Câmara não fez seu trabalho? E muito mais.” Enquanto isso, sob o slogan “Mantenham Iowa ainda maior”, dois filhos do republicano, Eric Trump e Donald Trump Jr., participaram de um comício em Des Moines, capital do estado que realizou o caucus na noite de ontem. “Nós vamos batê-los novamente”,  prometeu Eric.


"Espero que os republicanos e o povo americano
percebam que o mbuste totalmente partidário
do impeachment 
exatamente isso, uma fraude”
Donald Trump, 
presidente dos Estados Unidos


"Trump violou o seu juramento, mas ainda
não é tarde demais para respeitarmos 
o nosso”
Adam Schiff, 
deputado democrata que desempenha o papel de promotor no Senado


Pontos de vista


Por Keith E. Whittington

Inocência jurada
“Eu imagino que o presidente alegará que foi justificado pelo processo. Mais preocupante ainda, ele pode se animar com a crença de que os republicanos no Congresso sempre defenderão suas ações. Eu ficaria surpreso se o presidente adotasse o tipo de atitude conciliatória e arrependida mostrada pelo presidente Bill Clinton quando foi absolvido pelo Senado, em 1999. Ele provavelmente continuará a atacar os democratas como indevidamente hostis à sua presidência e insistirá que nada fez de errado. A insistência do presidente de que não houve base para o impeachment tornará difícil para os congressistas republicanos concordarem com uma resolução de censura como alternativa à condenação no julgamento.”
Cientista político da Universidade de Princeton



Por Allan Lichtman

Truque sujo a caminho
“Não há chance alguma de Trump moderar seu comportamento. Ele proclamará que nada fez de errado e que foi vítima de uma caça às bruxas democrata, e lembrará ter sido completamente inocentado pelo Senado. Mais uma vez, Trump saudará e explorará uma certa interferência russa em seu nome nas eleições de 3 de novembro. Ele utilizará cada truque sujo disponível para garantir sua vitória. O presidente jamais foi responsabilizado por nada em sua vida, e este falso julgamento de impeachment não é uma exceção. Em sua mentalidade, Trump não tem motivos para mudar nada em seu comportamento e em seu governo.”
Professor de ciência política da American University (em Washington)
 
 

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