Correio Braziliense
postado em 07/02/2020 04:06
No centro de uma grande polêmica, após ser eleito presidente regional da Turíngia com o apoio da extrema-direita, o deputado alemão Thomas Kemmerich renunciou ontem, abrindo caminho para nova votação. A crítica mais contundente partiu da chanceler Angela Merkel, que cobrou a anulação do pleito. “É um ato imperdoável e um dia ruim para a democracia”, afirmou Merkel, em viagem à África do Sul.
O estupor foi generalizado. Ainda na noite de quarta-feira, foram inúmeras as manifestações espontâneas em várias cidades alemãs para se opor à participação da Alternativa para a Alemanha (AfD), principal legenda de ultradireita na aliança que elegeu Kemmerich, do Partido Democrático Liberal (FDP). Também fizeram parte da “coalizão” representantes da União Democrática Cristã da Alemanha (CDU), de Merkel.
“Decidimos solicitar a dissolução do Parlamento da Turíngia (…) e minha renúncia é inevitável”, afirmou Thomas Kemmerich, em resposta à cobrança da chanceler. A medida precisa do apoio de dois terços do Legislativo para ser implementada.
Com a decisão, Kemmerich disse que tem como objetivo “limpar o estigma do apoio da AfD”. “Não houve trabalho conjunto com a AfD, não existe e não haverá”, insistiu Kemmerich, em entrevista coletiva. “Os democratas precisam de maiorias democráticas e, obviamente, não podem ser obtidas neste Parlamento”, acrescentou.
Rejeição
Ao contrário do que aconteceu na Áustria, desde que foi criada na Alemanha, há sete anos, a AfD é alijada por todas as formações políticas, incluindo a direita tradicional. Sistematicamente, qualquer aliança ou cooperação com esse partido anti-imigração tem sido descartada.
A despeito desse resistência, o partido é, hoje, a principal força de oposição na Câmara nacional, com 89 representantes. Sua ala mais radical, dirigida diretamente da Turíngia, questiona a cultura alemã do arrependimento pelos crimes do Terceiro Reich.
Os meios de comunicação alemães adotaram um tom duro. “Um tabu foi quebrado”, manchetaram vários jornais. Para o Der Spiegel, foi a “eleição da vergonha”. Nas ruas, os manifestantes traçaram um paralelo entre a eleição de Kemmerich e os anos 1930, quando o partido de Adolf Hitler conseguiu, graças a alianças com a direita tradicional, alcançar gradativamente o poder.
Em 1930, e precisamente na região da Turíngia, os líderes nazistas entraram pela primeira vez em um governo regional. Três anos depois, Hitler se tornou chanceler.
Nas redes sociais, a foto do aperto de mão entre o novo líder desse estado regional e o chefe local da AfD, o radical Björn Höcke, apareceu ao lado de outra saudação histórica: entre Hitler e o presidente Paul von Hindenburg, quando ele o nomeou chanceler.
Höcke, um ex-professor de história que, no passado, havia pedido uma “virada de 180°” na cultura histórica alemã, comemorou a eleição e assegurou que se tornaria um exemplo para o restante do país.
Segundo os dirigentes da CDU, os deputados do partido de Merkel, ao votarem em conjunto com a extrema direita, “não respeitaram as convicções fundamentais” do governo. A AfD é um dos opositores mais virulentos da chanceler e de sua política de imigração.
Atualmente, Merkel enfrenta dois grandes problemas: além do partido dividido, seu governo de coalizão está cada vez mais debilitado. Os aliados sociais-democratas ameaçaram rever a aliança caso a situação na Turíngia não seja esclarecida. “O que aconteceu (na Turíngia) é um sinal, e não podemos deixar isso sem resposta”, disse o líder do Partido Social-Democrata, Walter-Borjans.
“É um ato imperdoável e um dia ruim para a democracia”
Angela Merkel, chanceler alemã
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