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Clima ruim para as abelhas

As emissões dos gases de efeito estufa na atmosfera podem dizimar populações do inseto polinizador, essencial para o cultivo de alimentos como frutas e legumes, alerta estudo. Na América do Norte, a chance de sobrevivência chega a ser 46% menor, comparada há um século

Correio Braziliense
postado em 07/02/2020 04:06
Na pesquisa, os especialistas utilizaram informações de 66 espécies de abelhas coletadas durante 115 anos


As mudanças climáticas estão dizimando populações de abelhas, um inseto polinizador sem o qual muitas espécies de plantas — inclusive culturas importantes para a alimentação — são incapazes de se reproduzir. Embora existam cerca de 20 mil espécies no mundo, em uma única geração humana, há locais onde as chances de elas sobreviverem caiu mais de 30%. É o que mostra um estudo da Universidade de Ottawa e da University College London, publicado na revista Science.

Segundo Peter Soroye, estudante de doutorado da universidade canadense e autor principal do artigo, extinções causadas pelo que ele chama de caos climático começaram há muitas décadas, embora só se tenha começado a percebê-las mais recentemente. Soroye, Jeremy Kerr, professor da mesma instituição, e Tim Newbold, pesquisador da University College London, decidiram voltar no tempo para pesquisar o padrão de redução de abelhas na América do Norte e na Europa e descobrir se era possível vincular o efeito à intensificação das mudanças climáticas.

“Descobrimos que as extinções de espécies nos dois continentes são causadas por extremos mais quentes e mais frequentes das temperaturas. Sabemos há algum tempo que a mudança climática está relacionada ao crescente risco de extinção que os animais enfrentam em todo o mundo. No nosso artigo, oferecemos uma resposta para as questões críticas de como e por que isso ocorre”, explica Soroye. “Agora, entramos no sexto evento mundial de extinção em massa, a maior e mais rápida crise global da biodiversidade desde que um meteoro acabou com a era dos dinossauros”, continua.

Extinção

O pesquisador lembra que, na vida selvagem ou em terras agrícolas, as abelhas são os principais polinizadores de plantas como tomate, abóbora e frutas. Segundo Soroye, o resultado do estudo aponta para um futuro com muito menos populações do inseto e, consequentemente, menos variedade na oferta de alimentos. Isso porque as taxas de desaparecimento das espécies são consistentes com as verificadas em eventos de extinção em massa. “Se o declínio continuar nesse ritmo, muitas dessas espécies poderão desaparecer para sempre dentro de algumas décadas”, alerta.

“Sabemos que essa crise é inteiramente impulsionada por atividades humanas”, destaca o principal autor do estudo. “Então, para parar com isso, precisamos desenvolver ferramentas que nos digam onde e por que essas extinções ocorrerão”, continua, explicando que o objetivo não foi apenas constatar o índice de mortalidade, mas buscar meios de reverter a tendência.

Os cientistas analisaram dados consolidados sobre as mudanças climáticas e de que forma elas aumentam a frequência de eventos extremos, como ondas de calor e secas, criando uma espécie de caos climático que pode ser perigoso para os animais. Sabendo que todas as espécies têm tolerâncias diferentes para a temperatura — o que é muito quente para algumas pode não ser para outras —, eles desenvolveram uma nova medição dessa grandeza. “Criamos uma nova maneira de prever extinções locais que nos dizem, para cada espécie individualmente, se as mudanças climáticas estão provocando temperaturas que excedem o que as abelhas podem suportar”, explica Tim Newbold.

Os pesquisadores utilizaram informações de 66 espécies de abelhas da América do Norte e da Europa, que foram coletadas durante 115 anos (1900-2015), para testar a hipótese da extinção em massa. Dados de georreferenciamento de 550 mil locais onde elas estiveram nesse período permitiram verificar como as populações se mudaram ao longo dos anos, comparando o paradeiro delas agora e as  áreas que costumavam habitar historicamente. “Descobrimos que as populações estavam desaparecendo em áreas onde as temperaturas ficaram mais quentes”, diz Peter Soroye. “Usando nossa nova medida, fomos capazes de prever mudanças tanto para espécies individuais quanto para comunidades inteiras, com uma precisão surpreendentemente alta”.

A junção das informações sobre a existência de abelhas da América do Norte e da Europa e das ondas de calor ou frio registradas em 115 anos mostrou o que os cientistas consideram “dados alarmantes”. A probabilidade de ocupação de uma localidade na região norte-americana foi reduzida, em média, em 46%. No continente europeu, foi menor: 17%. Segundo os pesquisadores, o percentual de declínio encontrado no estudo “é consistente com reduções na riqueza de espécies”.

De acordo com os especialistas, o método desenvolvido poderá ser aplicado para rastrear os níveis de extinção de outras espécies, como répteis, aves e mamíferos. “Talvez o elemento mais empolgante seja o desenvolvimento de um método para prever o risco de extinção que funcione muito bem para as abelhas e, em teoria, possa ser aplicado universalmente a outros organismos”, diz Soroye. “Com uma ferramenta preditiva como essa, esperamos identificar áreas em que as ações de conservação sejam críticas para impedir o declínio.”

Jeremy Kerr destaca que ainda há tempo para agir. “O estudo também oferece esperança, ao sugerir maneiras pelas quais podemos aliviar os efeitos das mudanças climáticas para esses e outros organismos, mantendo habitats que oferecem abrigo, como árvores, arbustos ou encostas, que podem permitir que as abelhas fujam do calor”, afirma. “Em última análise, todas as para reduzir as emissões (de gases de efeito estufa) ajudarão. Quanto mais cedo, melhor. É do nosso interesse fazê-lo, bem como do interesse das espécies com as quais compartilhamos o mundo.”

Nutrientes

Em outro artigo, publicado ontem na revista Ecology Letters, pesquisadores da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, identificaram os nutrientes mais importantes e vitais para a sobrevivência das abelhas, analisando quais os que se associam às maiores taxas de sobrevivência e de reprodução desses insetos. Eles descobriram que abelhas preferem dietas com baixo teor de gordura.

“As abelhas obtêm a maioria dos nutrientes de suas principais fontes de alimentos, que são néctar e pólen. Enquanto o néctar é principalmente uma fonte de carboidratos, o pólen contém a maioria das outras substâncias necessárias: proteínas, gorduras, minerais e vitaminas”, explica Sara Leonhardt, especialista na interação insetos-plantas e coautora do estudo. “Até hoje, a maioria dos pesquisadores da área supunham que as abelhas, assim como outros herbívoros, consideram principalmente a quantidade de proteínas ao escolher seus alimentos”, diz.

Mas, com novas abordagens em experimentos realizados em campo, os cientistas aprenderam melhor sobre os hábitos alimentares desses insetos. Em um dos testes, eles investigaram a preferência das abelhas pelos macronutrientes essenciais do pólen, as gorduras e os aminoácidos. Uma pequena quantidade de ácidos graxos foi adicionada ao pólen para aumentar o conteúdo gorduroso. Os pesquisadores descobriram que as abelhas podem diferenciar claramente entre pólen normal e o com maior teor de gordura, mostrando uma clara preferência pelo primeiro. Surpreendentemente, elas não identificaram quando conteúdo de aminoácidos foi alterado da mesma maneira.

Nos experimentos seguintes, o objetivo foi estabelecer os nutrientes que realmente afetam o comportamento de forrageamento das abelhas e quais as conseqüências para sua sobrevivência e capacidade reprodutiva. “Quanto mais gordura o pólen continha, menos as abelhas o consumiam”, diz Sara Leonhardt. “Elas preferiram morrer a terem que ingerir o pólen acrescido de ácidos graxos.” Portanto, a equipe concluiu que a gordura no pólen afeta negativamente a capacidade reprodutiva e a sobrevivência das abelhas, razão pela qual é evitada.


"Agora, entramos no sexto evento mundial de extinção em massa, a maior e mais rápida
crise global da biodiversidade desde que um meteoro acabou com a era dos dinossauros”

Peter Soroye,
doutorando na Universidade de Ottawa e autor principal do artigo
 
 
 
 

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