Correio Braziliense
postado em 09/02/2020 04:06
Não poderia ter sido mais simbólico. Durante o discurso do Estado da União, na última terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a presença de “um homem muito corajoso, que carrega consigo as esperanças, sonhos e aspirações de todos os venezuelanos” e o citou como o “legítimo” mandatário da Venezuela. Na galeria do plenário do Congresso, Juan Guaidó foi aplaudido durante vários minutos. “(Nicolás) Maduro é um governante ilegítimo, um tirano que brutaliza seu povo. Mas o domínio da tirania de Maduro será esmagado e quebrado”, prometeu o magnata republicano. Trump pediu ao convidado de honra que enviasse um recado de que “todos os americanos estão unidos ao povo venezuelano em sua luta justa pela liberdade”. Nos últimos anos, Washington impôs sanções financeiras e diplomáticas aos principais integrantes do regime. A retórica agressiva de Trump sugere que a Casa Branca estaria disposta a intensificar a pressão sobre Maduro até que ele abandone o Palácio de Miraflores.
Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), Trump parece propenso a chegar às últimas consequências em seu empenho de derrubar Maduro. “A aspereza das palavras indica um conjunto de medidas contra o regime da Venezuela e que as sanções aumentarão, se necessário”, disse. Ela acredita que a estratégia dos Estados Unidos é bloquear as capacidades do regime de Maduro e provocar sua asfixia. “Maduro se viu obrigado a retirar suas políticas de controle da economia e liberou, em boa medida, o comércio interno. Isso quer dizer que o primeiro afetado é o modelo político do regime”, explicou. “O impacto sobre a capacidade de Caracas manter a indústria petrolífera também representou um duro golpe para a Venezuela, que viu as receitas do setor minguarem, com a queda das reservas internacionais.”
Aumaitre admite que as sanções provocaram uma “grande limitação” para Maduro no que diz respeito à sua capacidade de solucionar os problemas enfrentados pela população. O reflexo dessa inoperância incide em grave dano à governabilidade. “Não em vão, 2019 terminou com um registro recorde de manifestações sociais, as quais demonstram a tensão que se vive na Venezuela”, observou.
Especialista do Programa para América Latina e EUA da Chatham House (em Londres), Christopher Sabatini reconhece a retórica superaquecida de Trump, mas admite que o republicano tem argumentos sólidos contra Maduro. “Trump afirma que Maduro é um líder ilegítimo, e Guaidó foi selecionado pelo único órgão democrático na Venezuela como o presidente constitucional interino. Como tantas vezes ocorre com esse governo, a retórica é desnecessariamente e inutilmente beligerante e vazia. Como ele esmagará o regime? Como isso ajudaria a trazer aliados que desejam se engajar construtivamente em uma transição democrática na Venezuela?”, questionou ao Correio.
Estratégia
Sabatini lamenta o fato de a Casa Branca ter jogado a maior parte de suas cartas em sanções. “Muitas delas deveriam ter sido colocadas sobre a mesa de modo mais estratégico, com parceiros internacionais, a fim de incentivar a mudança de regime, utilizando-as em um jogo de recompensa e punição”, afirmou. “Em vez disso, restam agora mãos totalmente vazias, sem uma estratégia internacional mais ampla. Acho que uma ofensiva militar por parte dos Estados Unidos está fora de questão. Seria uma operação confusa, polarizadora e um desastre político. Trump não colocará soldados dos EUA em conflito durante um ano eleitoral.”
María Teresa Belandria, embaixadora da Venezuela em Brasília nomeada por Guaidó há um ano (leia Duas perguntas para), discorda de uma saída que permita a Maduro ficar impune. Ela lembra que a Assembleia Nacional sancionou, em 2019, leis de anistia para funcionários públicos e militares que reconheceram o “governo legítimo” de Guaidó, garantindo os seus direitos. “Maduro e seus empregados são réus por violações dos direitos humanos e por crimes de lesa-humanidade, cuja causa corre ante o Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda). Esses crimes não podem ser objetos de anistia, de acordo com a Constituição da Venezuela, e com os tratados e convênios internacionais”, disse à reportagem.
Na opinião de Belandria, as únicas questões passíveis de negociação com Maduro são a data da renúncia e o destino dele após abandonar o poder. “Assim, poderemos celebrar eleições livres, democráticas e com observadores internacionais. E a Venezuela reencontrará o caminho da liberdade, depois de duas décadas de chavismo e de tirania.”
“(Nicolás) Maduro é um governante ilegítimo, um tirano que brutaliza seu povo. Mas o domínio da tirania de Maduro será esmagado e quebrado”
“(Guaidó) é um homem muito corajoso que carrega consigo as esperanças, sonhos e aspirações de todos os venezuelanos”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, no discurso do Estado da União, na última terça-feira
Eu acho...
“É preciso haver algum meio que dê a Maduro e a seus companheiros corruptos uma saída que os incentive a se afastarem do poder para uma transição. O problema é que os níveis dos crimes que Maduro e seus asseclas cometeram — contra direitos humanos, corrupção e atividades ilícitas ligadas ao narcotráfico e ao tráfico de armas — são de tal ordem que são difíceis, política e moralmente, de serem propensão à anistia.”
Christopher Sabatini, especialista do Programa para América Latina, EUA e América da Chatham House (em Londres)
“Desde o início da mediação dos EUA, se ofereceu a Maduro o que resultou ser a saída de Ferdinando Marco nas Filipinas. Seria uma saída que impediria Maduro e apoiadores de enfrentarem a Justiça venezuelana ou a internacional por violações de direitos humanos e corrupção. Não é de se estranhar que Maduro não aceite a oferta americana por temer represálias de cartéis de drogas. Sair de relacionamento com o narcotráfico tem consequências.”
José Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas)
Duas perguntas para
María Teresa Belandria Expósito, embaixadora da Venezuela em Brasília nomeada por Juan Guaidó, em 5 de fevereiro de 2019
Trump prometeu “esmagar” o “regime tirânico” de Maduro e apresentou Guaidó como presidente da Venezuela. Como vê essa retórica?
É a forma e o estilo do presidente Donald Trump, e sua maneira de deixar muito claro o recado à ditadura, para que negociem o quanto antes a saída de Maduro. É importante ressaltar que Trump não “apresentou” o presidente Guaidó. Em seu discurso, ele ratificou o reconhecimento dado pelo governo dos Estados Unidos, em janeiro de 2019, assim como outros 59 países. Também reiterou a legitimidade e a legalidade do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e do presidente interino Juan Guaidó, em conformidade com o artigo 233 da Constituição da Venezuela.
À medida que sanções não funcionam, quais as opções dos EUA para se restaurar a democracia na Venezuela?
As sanções funcionam. E estão focadas nos funcionários e nas empresas do regime, o que lhes impede o exercício pleno das competências e do poder. Para citar um exemplo: o impedimento da visita de Delcy Rodríguez, vice-presidente do regime, à Espanha. A funcionária está sancionada pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelos países integrantes do TAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca). Os EUA estabeleceram novas sanções contra a empresa aérea estatal Conviasa e, duas semanas atrás, contra toda a frota da PDVSA (estatal de petróleo). Dessa forma, se impede que aviões sigam sendo usados para transportar ouro e lavar dinheiro em outros países. As medidas limitam as possibilidades de mobilidade de bens e de pessoas. Todas opções estão sobre e sob a mesa. O cerco se fecha, o que obrigará as autoridades do regime a negociarem sua saída. (RC)
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