Correio Braziliense
postado em 13/02/2020 04:06
A combinação de dois medicamentos pode ser o segredo para o desenvolvimento de um tratamento mais eficaz para a diabetes. A descoberta foi feita por um grupo de cientistas americanos, que testou o uso de dois remédios para impulsionar o crescimento de células beta pancreáticas — responsáveis pela produção de insulina no organismo. A estratégia funcionou, e a junção das drogas gerou um aumento de 40% na quantidade de moléculas do pâncreas. Os dados animadores foram publicados na última edição da revista especializada Science Translational Medicine.
Para corrigir a falta de células beta pancreáticas, problema que gera a diabetes, um dos remédios mais utilizados são os agonistas do receptor do peptídeo 1 do tipo glucagon (GLP1R), que estimulam as poucas moléculas beta a secretarem insulina, ajudando, assim, a restaurar os níveis de açúcar no sangue e a reduzir o apetite em pacientes diabéticos.
Embora o GLP1R incentive as células beta existentes a trabalharem mais, ele não consegue aumentar a quantidade delas. Para solucionar esse problema, os cientistas decidiram testar o uso de GLPIR com inibidores de DYRK1A.
“Essas pequenas moléculas mostraram um efeito regenerativo fraco nas células beta em pesquisas anteriores, mas queríamos estudá-las mais”, destacou, em um comunicado à imprensa, Andrew Stewart, diretor do Instituto de Diabetes, Obesidade e Metabolismo da Faculdade de Medicina da Universidade de Monte Sinai, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo.
Os dois medicamentos foram aplicados em células pancreáticas de cadáveres humanos (saudáveis e com diabetes tipo 2). A estratégia deu certo. Os pesquisadores observaram um aumento de até 40% na população de células beta. “A beleza aqui é que a combinação de inibidores de DYRK1A com agonistas de GLP1R atingiu a maior taxa possível de replicação de células beta humana. Juntos, eles fizeram com que as células proliferassem a uma taxa de 5 a 6% por dia”, detalhou Stewart.
Os cientistas também transferiram as células dos cadáveres para camundongos diabéticos e observaram maior secreção de insulina e melhor controle do açúcar no sangue em comparação com roedores que só haviam recebido GLP1R.
Os autores do estudo explicaram que, na diabetes tipo 1, o sistema imunológico ataca e destrói erroneamente as células beta pancreáticas e que a deficiência dessas moléculas também é um importante fator contribuinte para o tipo 2 da doença, o mais comum. Por isso, o desenvolvimento de medicamentos que podem aumentar o número de células beta saudáveis é uma das maiores prioridades na pesquisa sobre a enfermidade.
“Esse é um avanço importante no campo de diabetes porque podemos ter encontrado uma maneira de converter uma classe amplamente usada de medicamentos para diabetes em um potente tratamento regenerativo de células beta humanas para todas as formas dessa doença”, frisou o autor do estudo. “Esse trabalho realmente é promissor para milhares de pessoas”, completou Stewart.
Uso e segurança
Para o endocrinologista Fernando Alves, membro titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o estudo, ainda que em fase inicial, mostra dados importantes, que podem ser bastante úteis para a área de tratamento de diabetes. “É necessário que os resultados sejam vistos em testes com humanos, muita pesquisa ainda precisa ser feita. Mas, com certeza, teríamos uma grande vantagem, que é a estimulação dessas células beta. Temos alguns remédios que tentam realizar essa mesma tarefa, mas com o tempo de uso o paciente não responde mais e alguns problemas podem ocorrer, como o risco de hipoglicemia. Por isso, seria interessante ter outra opção”, detalhou o especialista do Hospital Santa Lúcia, de Brasília.
Segundo Alves, a nova estratégia seria interessante, sobretudo, para casos de diabetes tipo 2. “Geralmente, na diabetes tipo 1, mais comum em crianças, a pessoa praticamente não tem pâncreas. E, se ela tem poucas células, como regenerá-las a partir desse número reduzido? Acredito que seria algo mais promissor para diabetes tipo 2, que atinge mais os adultos e, principalmente, pessoas obesas, em que a redução das células ocorre aos poucos”, opinou.
O estudo americano foi feito com base em uma pesquisa realizada em 2018, na qual os cientistas testaram a mesma estratégia, mas utilizaram os inibidores da DYRK1A com outro medicamento, o TGF-betaSF, que estimula o sistema imunológico e a homeostase (equilíbrio) tecidual. Os testes também renderam resultados positivos, com a proliferação de células beta a uma taxa de 5 a 8% ao dia. No entanto, de acordo com os cientistas, o uso de TGF-betaSF, provavelmente, geraria efeitos colaterais em outros órgãos do corpo e impediriam o uso clínico.
Os testes do estudo atual mostram menos riscos, mas, ainda assim, os cientistas destacam que mais análises são necessárias para garantir a total segurança. “O próximo objetivo do projeto é realizar estudos de longo prazo em animais transplantados com células beta humanas e determinar se alguma célula ou órgão do corpo, exceto as células beta, é afetado pela nova combinação de medicamentos”, antecipou Stewart.
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