Correio Braziliense
postado em 15/02/2020 04:14
Depois de ser acusado pelo procurador-geral, Bill Barr, de dificultar o trabalho do Departamento de Justiça por tuitar demais, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolveu responder por meio do Twitter. O magnata republicano citou uma fala do próprio Barr — “O presidente nunca me pediu para fazer algo em um caso penal específico” — e emendou com uma polêmica. “Isso não significa que eu não tenha, como presidente, o direito legal de fazê-lo; eu o tenho, mas até agora decidi não fazer”, afirmou. Na quinta-feira, em entrevista à emissora ABC, Barr reclamou que os tuítes de Trump tornaram “impossível” o cumprimento de seu trabalho. “Acredito que seja a hora de deixar de tuitar sobre casos do Departamento de Justiça”, aconselhou. No mesmo dia, em declarações ao podcast do jornalista Geraldo Rivera, Trump protagonizou nova polêmica: admitiu ter enviado o advogado Rudy Giuliani à Ucrânia para que levantasse informações comprometedoras sobre o democrata Joe Biden, ex-vice de Obama e potencial adversário nas eleições de 3 de novembro.
As críticas de Barr ocorreram no momento em que ele foi convocado pelo Congresso para depor sobre as acusações que ele decidiu, supostamente pressionado pelo presidente, desautorizar seus próprios promotores e pedir uma pena de prisão mais leve para Roger Stone, ex-assessor de campanha de Trump. Na terça-feira, quatro promotores envolvidos na investigação apresentaram a renúncia, em resposta ao Departamento de Justiça, que reverteu no último minuto a sentença proposta, de sete a nove anos de prisão. Coincidência ou não, a decisão do Departamento de Justiça ocorreu pouco depois que o magnata republicano atacou o processo, em outro tuíte. No dia seguinte, Trump elogiou Barr por fazer “a coisa certa”. “Parabéns ao procurador-geral Bill Barr por assumir um caso que estava totalmente fora de controle”, escreveu Trump. Após as críticas ao mandatário, Barr tentou se descolar da Casa Branca. “Não serei intimidado ou influenciado por ninguém, seja pelo Congresso, pelos jornais ou pelo presidente, vou fazer tudo que considero ser o certo”, disparou.
Reitor da Faculdade de Política e de Governo da Universidade George Mason, em Fairfax (Virgínia), Mark Rozell disse ao Correio que a visão de Trump sobre a interferência na Justiça é “uma violação direta do sistema de separação de poderes em âmbito nacional”. “Ela ameaça o papel independente do Judiciário, elemento essencial do governo democrático dos Estados Unidos”, advertiu. Ele sublinha que até o procurador-geral, que tem se mostrado bastante leal ao presidente, percebeu a violação e ergueu a voz contra ela. “O papel tradicional dos presidentes norte-americanos em relação a investigações do Departamento de Justiça tem sido o de ficar quieto e deixar os profissionais da carreira jurídica fazerem seu trabalho sem qualquer pressão política. “Trump ou não entende isso, ou não se importa.”
Norma
Por sua vez, Roland Riopelle, ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, acredita que o tuíte de Trump é um exemplo a mais do modo com que ele “destrói as normas da democracia americana”. Segundo ele, por mais de dois séculos, o Departamento de Justiça tem sido semiautônomo, e presidentes não interferiam em suas operações. “Trump pretende lançar essa ‘norma’ pela janela e transformar o Departamento de Justiça em uma arma para ser usada em ataques contra seus inimigos, além de um escudo para proteger os amigos”, explicou. “Se Trump for bem-sucedido em se livrar dessa ‘norma’ de que presidentes não intervêm no Departamento de Justiça — e há alguma evidência de que ele obtém êxito nisso —, então os EUA estarão no caminho exato de se tornar uma autocracia antidemocrática.”
Ao mesmo tempo, Riopelle disse não ter confiança em Barr. “Nós o vimos apoiar Trump e realizar pedidos impróprios do presidente, como investigar as origens da investigação do procurador especial Robert Mueller (responsável pela investigação sobre a suposta interferência da Rússia nas eleições de 2016)”, comentou. “Não sei o quanto real é esse confronto, e não estou certo se acredito em Barr quando ele reclama da interferência de Trump no Departamento de Justiça. Minhas suspeitas são de que Barr tenta parecer ser independente de Trump, quando de fato não o é.”
Brian Kalt, professor de direito da Universidade Estadual de Michigan, busca relativizar o debate em torno da ameaça de Trump de intervir no sistema judicial. De acordo com ele, a independência do Departamento de Justiça tem mais a ver com o Estado de direito do que com a democracia. “Enquanto os eleitores puderem escolher livremente seu presidente, em 3 de novembro, a democracia permanecerá intacta”, afirmou à reportagem.
“Não serei intimidado ou influenciado por ninguém, seja pelo Congresso, pelos jornais ou pelo presidente, vou fazer tudo que considero ser o certo”
Bill Barr, procurador-geral dos Estados Unidos
Ponto crítico
Trump tem o direito legal de interferir nas decisões do Departamento de Justiça?
SIM
» Brian Kalt
“Donald Trump está correto. Sob o prisma do direito constitucional, presidentes têm o poder de exercer a autoridade suprema sobre o Departamento de Justiça. No entanto, o uso desse poder é inconsistente com as normas de longa data sobre a independência do departamento.”
Professor de direito da Universidade Estadual de Michigan
NÃO
» Roland Riopelle
“Se o presidente Trump for capaz de utilizar o Departamento de Justiça como uma arma contra seus ‘inimigos’, inclusive candidatos que possam concorrer com ele nas eleições de 3 de novembro, como o democrata Joe Biden, então a democracia norte-americana estará ameaçada.”
Ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York
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