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Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 15/02/2020 04:14


                              

Contágio na fronteira norte

A semana começou com notícias desencontradas sobre tiroteios e confrontos entre facções criminosas em Manaus, palco de episódios recorrentes, nos últimos anos, envolvendo o crime organizado. Em maio de 2019, uma rebelião no sistema prisional do estado resultou em 55 mortes — a maior parte, na execução sumária de detentos por integrantes de grupos rivais. Na última segunda-feira, os rumores que circularam na capital amazonense, e motivaram a atenção de órgãos de segurança e inteligência, indicavam uma disputa direta entre a Família do Norte (FDN), de origem local, e o Comando Vermelho (CV), aliados até recentemente contra o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Mais do que a distribuição de drogas e armas na cidade, o que alimenta a guerra entre as facções é a importância crescente da rota do Solimões para o tráfico internacional entre as regiões fronteiriças da Colômbia e o acesso por mar às redes que abastecem os mercados dos EUA (via Flórida) e da Europa. Na virada do século, acompanhando a “geopolítica da cocaína” e o desenrolar do conflito armado interno colombiano, com seus impactos na narcoeconomia regional, essa rota traçada em nossa fronteira norte passou de via secundária, de escape, a opção preferencial de alguns atores do negócio. Na costa colombiana do Pacífico e do Caribe, mandam agora os poderosos cartéis mexicanos.

Não acabou

Os diferentes sintomas captados pelas autoridades do lado brasileiro, como as apreensões de drogas e a crise no sistema carcerário, autorizam o diagnóstico de que a desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), formalizada há três anos, não significou o fim do narcotráfico na “esquina” tríplice com Brasil e Peru. Desde a implantação do Plano Colômbia, em parceria com Washington, a partir de 2000, o governo de Bogotá reconheceu o nó que entrelaçava a economia cocaleira à guerra de guerrilhas e passou a apostar numa estratégia que situava a pacificação do país como ingrediente fundamental no combate ao tráfico.

A vida demonstrou que, embora tenham se enredado no conflito político-social, cujas raízes penetram fundo na história do país, os cartéis colombianos se formaram e estruturaram como resposta à demanda do mercado — americano e europeu, no caso — pela droga. Se a conclusão do acordo de paz tirou as Farc de uma cadeia na qual se inseriu pela dinâmica da guerra, “taxando” o narcotráfico nas áreas sob seu controle e importando armas, a desmobilização do grupo apenas criou vazios que outros atores procuram ocupar.

Para os demais efeitos práticos, essa guerra não acabou.

Mão invertida

Se a saída de cena das Farc operou uma mudança significativa, foi no sentido do fluxo de armas pela fronteira. No auge do seu poderio, justamente na virada para os anos 2000, a guerrilha colombiana multiplicava as opções de acesso a material bélico. Na fronteira com o Amazonas brasileiro, em particular nas cidades gêmeas de Letícia (Colômbia) e Tabatinga, emissários negociavam fuzis, munição e outros suprimentos com os cartéis que escoavam cocaína via Suriname — tradicional entreposto de armas, assim como o Paraguai.

Não por acaso, foi nesse período que Fernandinho Beira-Mar, foragido em uma fazenda paraguaia, deslocou-se para a Amazônia colombiana levando como “cartão de visitas” uma partida de AK-47 destinada ao comandante guerrilheiro conhecido como Negro Acácio. Foi em uma operação contra ele que o “Pablo Escobar brasileiro”, como Beira-Mar chegou a ser chamado pela imprensa local, acabou capturado pelo Exército colombiano e deportado para o Brasil, em 2001.O que mudou, nos últimos anos, é que agora as armas depostas no conflito colombiano atravessam a fronteira porosa e fluvial com destino ao Brasil, onde alimentam a guerra entre as facções criminosas pelo controle de rotas e pontos de distribuição de drogas no Amazonas.  

Ordem unida

É nesse contexto que chama a atenção a reestruturação do Conselho da Amazônia Legal, agora sob o comando do vice-presidente, general Hamilton Mourão. O movimento faz parte da militarização progressiva do governo Bolsonaro — aproveitando o termo escolhido pelo próprio presidente para anunciar o general Braga Neto como novo chefe da Casa Civil. Mas ganha significado próprio diante do contágio da fronteira norte pela nova geoplítica regional do narcotráfico na América do Sul.

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