Mundo

Insetos em colapso

Estudo internacional mostra conjunto de fatores que tem contribuído para a redução global e até a extinção desses seres %u2014 das mudanças climáticas à interferência humana %u2014 e adverte para a necessidade de se colocar em prática medidas que possam reverter esse cenário

Correio Braziliense
postado em 16/02/2020 04:05
A Polygrapha suprema é uma borboleta rara, que vive na Mata Atlântica e está ameaçada de extinção pela perda de habitat


Pequenos, complexos e extremamente diversos, os insetos estão presentes em praticamente todo o planeta. Contudo, nos últimos tempos, sua população tem sofrido diminuições severas. Apesar de executarem funções essenciais para a vida dos outros seres vivos, poucas medidas para que esse cenário caótico seja revertido foram tomadas, alerta um grupo de cientistas internacionais.

A partir da revisão de uma série de estudos, os pesquisadores apontam os fatores que desencadeiam a redução do número desses animais, que vão desde as mudanças climáticas à ação dos homens, sobretudo com uso de produtos químicos na agricultura. Na pesquisa, publicada na revista especializada Biological Conservation, os cientistas também sugerem maneiras de evitar a diminuição dos artrópodes e pedem o engajamento mundial nessa tarefa.

À medida que o tempo passa, a humanidade exige mais dos ecossistemas, que já não conseguem se recuperar dos danos que sofrem. Como consequência, extinções de insetos, ainda não quantificadas e não quantificáveis, estão ocorrendo corriqueiramente. Essa perda é um grande prejuízo para o planeta, principalmente porque muitas espécies ainda não são nem conhecidas pelo homem, explica Pedro Cardoso, pesquisador do Museu Finlandês de História Natural Luomus e da Universidade de Helsinque, na Finlândia. “É surpreendente o quão pouco sabemos sobre biodiversidade em nível global”, destacou ao Correio Cardoso, que assina o trabalho com outros 18 pesquisadores, de países como Alemanha, Colômbia, e África do Sul.

“Apenas de 10% a 20% dos insetos e outras espécies de invertebrados foram descritos e nomeados. E daqueles com um nome, sabemos pouco mais que uma breve morfologia. O número de espécies de insetos ameaçadas e extintas é lamentavelmente subestimado, porque muitas são raras ou não descritas”, detalhou o cientista.

Na análise, Cardoso e sua equipe avaliaram uma série de levantamentos feitos por outros investigadores da área, relacionados à redução do número de espécies de insetos, com o objetivo de identificar todas as causas envolvidas nesse cenário preocupante. “A atividade humana é responsável por quase todos os declínios e extinções da população atual de insetos. Se identificarmos e quantificarmos as diferentes maneiras pelas quais estamos agindo sobre eles podemos mudar esse cenário”, frisou o especialista português.

Ameaças

Nas análises, eles constataram que perda de habitat, poluição, práticas agrícolas prejudiciais, espécies invasoras (que se proliferam de forma descontrolada), mudanças climáticas, superexploração (como consumo alimentício de determinadas espécies) e extinção de espécies codependentes contribuem para o declínio da população de insetos e extermínio de alguns deles.

Para os cientistas, os dados mostram fatores que podem ser revertidos. Por exemplo, com a diminuição do uso de pesticidas na área agrícola. “Muitos países europeus estão proibindo ou eliminando progressivamente os herbicidas à base de glifosato. As soluções estão agora disponíveis. Precisamos agir de acordo com elas”, destacou Cardoso.

Walkymário de Paulo Lemos, pesquisador entomologista da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, acredita que os especialistas internacionais fazem um pedido que pode e deveria ser atendido. “Na Embrapa, já trabalhamos em busca de alternativas que possam diminuir os danos causados a esses animais dentro da agricultura, até porque eles são extremamente necessários a essa prática. Quase 90% das plantas cultivadas no mundo necessitam da polinização dos insetos. Nós ainda não conhecemos os efeitos das mudanças climáticas, mas, com certeza, elas terão um impacto nessas populações”, opinou.

Para Reginaldo Constantino, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), o estudo mostrou dados relevantes e muitas medidas podem ser tomadas para impedir que as populações de insetos diminuam ainda mais. “Temos fatores mais difíceis, como a extinção de espécies dependentes. Por exemplo, no caso da morte de uma onça, seus parasitas vão desaparecer, e não temos muito o que fazer sobre isso. Mas a maioria das outras medidas pode, sim, ser combatida. Na agricultura, principalmente. Usar outros produtos que não sejam nocivos aos animais e explorar opções, como o controle biológico, no qual os próprios animais ajudam a combater pragas, são algumas das alternativas possíveis”, detalhou o especialista.

Constantino considerou que as informações são valiosas, pois ajudam a entender quais áreas geram perigo aos animais, mesmo que o impacto seja menor quando comparado com outros fatores. “O uso de insetos para a alimentação é algo que ocorre mais em países do Oriente, mas, ainda assim, interfere. Por isso, é importante ter sido apontado pelos cientistas. Serve como um alerta”, assinalou.

Prioridades

Os autores do estudo relataram que um dos principais motivadores do levantamento foi a falta de atenção dada aos insetos. Segundo eles, eles vêm sendo menosprezados até mesmo pela comunidade científica. “Os próprios cientistas têm de rever prioridades e começar a privilegiar o conhecimento desses seres, que são negligenciados. Isso ocorre também porque é muito mais fácil obter financiamento para grupos ou temas mais na moda”, explicou Cardoso.

Walkymário Lemos também tem esse mesmo entendimento, de que os insetos são deixados de lado quando o assunto é preservação. “Quando falamos em destruição do meio ambiente e em extinção, a maioria das pessoas já pensa nas árvores e nos animais maiores, como as onças, mas os insetos dificilmente são lembrados. Como os próprios autores do estudo falam, isso ocorre provavelmente porque eles não fazem parte da fauna carismática do planeta, não são tão bonitos”, cogita o especialista.

Os pesquisadores sugerem maior atenção, especialmente das autoridades, para evitar o agravamento do quadro. “Esse cenário pode, certamente, mudar. Basta que políticos, o público em geral e os próprios cientistas o queiram. Os políticos têm de compreender que não vivemos num vácuo ecológico, ninguém pode ter qualidade de vida sem consideração pela natureza, principalmente a sua componente mais rica, os insetos”, frisou o autor do estudo.

A sociedade em geral, segundo Pedro Cardoso, pode ter uma ação muito importante, não só pressionando os políticos, mas também nas ações diárias, de conotação econômica ou não. “Todas as revoluções começaram por atos isolados. Nesse caso em particular, se pensarmos que muitas espécies de insetos estão restringidas a áreas minúsculas, que podem ser medidas em hectares ou poucos quilômetros quadrados, qualquer jardim pode contribuir de forma decisiva para a sobrevivência de uma espécie única, que pode ainda nem ter um nome, que nunca ninguém identificou”, enfatizou.
O cientista também ressaltou que o Brasil, sendo um dos países com maior diversidade no mundo, tem um papel crucial no conhecimento e na conservação desses seres. “O Brasil pode, deve e tem capacidade científica para liderar essa temática globalmente, basta deixar a ciência ter uma palavra, o que, infelizmente, nos dias de hoje, não parece nada fácil”, complementou.



Alerta sobre abelhas
e vaga-lumes

Um estudo publicado na semana passada na revista Science por pesquisadores da Universidade de Ottawa, no Canadá, mostrou que as abelhas, um dos principais polinizadores, são menos comuns do que costumavam ser na América do Norte. De acordo com os dados reunidos pelos autores do trabalho, é 50% menos provável ver uma abelha na região do que era antes de 1974. Outro relatório, também divulgado na semana passada, por cientistas da Malásia, alertou para a diminuição dos vaga-lumes. Segundo os investigadores, três razões contribuem para essa redução: a perda de habitat, a poluição luminosa, já que as luzes artificiais afetam o ritmo desses insetos, e o aumento do uso de inseticidas.


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