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Arte sem porta-voz

Experimento mostra que informações fornecidas por museus sobre obras expostas não influenciam a experiência dos visitantes. Segundo cientistas suíços, o que impacta são as próprias características das peças, como o conteúdo representado e os recursos estéticos usados

Correio Braziliense
postado em 18/02/2020 04:07
Experimento mostra que informações fornecidas por museus sobre obras expostas não influenciam a experiência dos visitantes. Segundo cientistas suíços, o que impacta são as próprias características das peças, como o conteúdo representado e os recursos estéticos usados

Ao irem a um museu, as pessoas geralmente têm acesso a informações relacionadas às peças expostas por meio de serviços de texto ou áudio. Essas ferramentas, porém, não interferem na experiência estética dos visitantes, segundo cientistas suíços. Ao avaliar 75 voluntários, a equipe de pesquisadores concluiu que a arte fala por si só, por meio de suas características estéticas.  Para  os investigadores, a conclusão poderá contribuir para mudanças em projetos de experimentações artísticas.

No estudo, divulgado na revista especializada Psychology of Aesthetics, Creativity and the Artsos, os autores explicam que as experiências estéticas envolvem uma interação complexa dos modos de percepção e processos cognitivos. As propriedades das obras de arte, como a coloração e o conteúdo representado, desempenham um papel nesse processo, assim como características individuais do espectador, seus conhecimentos e fatores contextuais.

Considerando todos esses fatores, os pesquisadores resolveram examinar até que ponto as informações contextuais de uma obra de arte influenciam a experiência estética. “Pesquisas anteriores mostraram que, em outras áreas, as informações contextuais podem moldar significativamente a percepção e a experiência. Por exemplo, o vinho é melhor para os consumidores quando o preço é mais alto. Com base nesses resultados, decidi entender mais a fundo os impactos causados por obras artísticas no público em contextos distintos”, conta Jens Gaab, professor da Universidade de Basileia e principal autor do estudo.

Jens Gaab e sua equipe selecionaram 75 participantes, que visitaram a exposição Future Present, no Museu Schaulager, na cidade de Münchenstein. Os voluntários observaram seis pinturas de artistas do expressionismo flamengo e foram aleatoriamente divididos em dois grupos. Um recebeu informações extras sobre os quadros — com dados descritivos, elaborados e aprofundados, como uma interpretação do trabalho — e o outro foi assistido por informações simples, com poucos detalhes.

Após o tour pelo museu, os participantes tiveram que avaliar  intensidade da experiência estética vivida respondendo a um questionário. Os pesquisadores também mediram as emoções despertadas nos voluntários enquanto eles apreciavam as obras de arte. Para isso, mensuraram dados psicofisiológicos, como frequência cardíaca e condutância (eletricidade) da pele.

A expectativa era de que o primeiro grupo fosse mais impactados. Mas, diferentemente do esperado, os resultados mostraram que nem o fornecimento de informações simples nem o de detalhadas influenciou a experiência estética dos participantes. Não houve evidência de diferenças entre os dois grupos tanto quando se analisou a avaliação subjetiva quanto as reações físicas.

“As propriedades das obras de arte em si, no entanto, afetaram a experiência estética. As reações físicas foram mais fortes quando os voluntários viram os quadros, comparadas à condição anterior à chegada ao museu, e diferiram significativamente dependendo da pintura”, completa Jens Gaab.

Expressão particular
A obra de arte que provocou a maior reação foi o Les masques intrigués, de James Ensor, de 1930. De acordo com o líder do estudo, isso pode ter ocorrido devido a características estéticas únicas da peça. “As obras de Ensor geralmente parecem bizarras ou absurdas. Esse modo particular de expressão pode ser o que levou os espectadores a fornecerem avaliações mais extremas”, cogita.

Para Jens Gaab, o estudo relativiza a importância das informações que acompanham as obras e destaca como o contexto do museu influencia a experiência estética. “Os visitantes não precisam necessariamente de informações para se sentirem satisfeitos depois de visitar uma exposição. A arte pode falar por si”, justifica. Segundo o cientista, a pesquisa pode contribuir para futuras reformulações nas experimentações artísticas. “Não defendemos mudanças na forma de trabalho desse grupo, mas acredito que o estudo poderia encorajar artistas a apresentarem suas obras de arte sem mais delongas”, diz.




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