Correio Braziliense
postado em 21/02/2020 04:16
Antes de cometer a barbárie, ele gravou um vídeo, em inglês, e publicou um manifesto de 24 páginas em seu site, com uma profusão de teorias da conspiração e ameaças a estrangeiros de 23 países. Por volta das 22h de quarta-feira (18h em Brasília), Tobías Rathjen, 43 anos, matou nove pessoas a tiros e feriu quatro, em dois bares — um deles de narguilé. O agressor foi encontrado, pela manhã, morto ao lado do corpo da mãe, de 72 anos, no apartamento onde viviam, em Hanau, cidade de cerca de 100 mil habitantes situada a 17km de Frankfurt. A matança deixou a Alemanha em choque. “O racismo é um veneno, o ódio é um veneno. E esse veneno existe em nossa sociedade”, advertiu a chanceler, Angela Merkel, em discurso à nação. “Tudo está sendo feito para esclarecer os antecedentes desses horríveis assassinatos até os últimos detalhes. Mas atualmente há muitas evidências de que o autor agiu por motivos racistas de extrema-direita. Pelo ódio contra pessoas de outras origens, outras crenças ou de aparências externas.”
O pior massacre creditado à extrema-direita da história do país ocorreu cinco dias depois de as autoridades alemãs frustrarem um complô de ultrarradicais contra lideranças políticas, solicitantes de asilo e membros da comunidade muçulmana. Na ocasião, 12 pessoas foram detidas, inclusive um policial. A promotoria de Hanau informou que as vítimas dos tiroteios de anteontem tinham entre 21 e 44 anos, e algumas eram de origem ou nacionalidade estrangeira. Um bósnio e um búlgaro estão entre os mortos. Um conselheiro próximo de Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, confirmou que cinco turcos também morreram.
Especialistas antiterrorismo investigam se Rathjen teve ajuda de ao menos um cúmplice e, com base no manifesto e no vídeo, concluiu que o assassino exibiu uma “mentalidade profundamente racista”. O primeiro ataque ocorreu no Midnight, bar frequentado por estrangeiros adeptos de narguilé. Pouco depois, dirigiu 2,5km até o Arena Bar & Café, onde tornou a disparar contra clientes.
Nascido em Hanau, Rathjen vivia com a mãe, concluiu administração de empresas em Bayreuth, no norte da Baviera, e chegou a trabalhar em um banco. Era um desconhecido dos serviços de inteligência e das autoridades que rastreiam elementos da extrema-direita. Nos ataques de quarta-feira, ele utilizou armas de disparo rápido, incluindo pistolas SIG Saur P 226 e Walther PPQ (semiautomática). A intenção era matar o maior número possível de pessoas. O assassino tinha licença de caça e era sócio de um clube de tiro, segundo o jornal Bild. O pai dele foi encontrado, ileso, do lado de fora do apartamento.
A Alemanha reagiu ontem com dor e luto à matança. Em Hanau, em Hamburgo, em Berlim e em 50 cidades, milhares de pessoas se reuniram, em vigília, para a chamada “noite contra o ódio”. Em frente ao Portão de Brandemburgo, na capital, manifestantes formaram uma corrente humana. O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, exortou uma multidão em silêncio a demonstrar solidariedade, em Hanau.
Nacionalismo
Professor do Departamento de Pesquisas de Paz e Conflito da Universidade Uppsala (na Suécia), Ashok Swain afirmou ao Correio que, apesar de não ser um fenômeno recente da Europa, o nacionalismo recrudesceu na Europa, abastecido pelas grandes ondas migratórias procedentes do Oriente Médio. “O nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD), que se opõe à imigração, se tornou o maior partido de oposição no Parlamento alemão. O racismo se transformou em tendência geral. Em certas partes da sociedade, ele tem ganhado aceitação e apreciação”, explicou. De acordo com ele, os ataques a grupos de extrema-direita contra muçulmanos e judeus são bastante comuns em toda a Europa. “Particularmente, na Alemanha, eles aumentaram tremendamente nos últimos cinco anos. Pelo menos 4 milhões de muçulmanos e 115 mil judeus vivem na Alemanha. A segurança e a liberdade de seguirem seus credos estão em grave perigo.”
Duas perguntas para
Ashok Swain, professor do Departamento de Pesquisas de Paz e Conflito da Universidade Uppsala (Suécia)
Qual é a receita para que os governos detenham a xenofobia e o racismo?
Há dois modos. Os grupos de extrema-direita mobilizam alemães étnicos contra imigrantes, dizendo que os estrangeiros destroem o modo ‘alemão’ de vida e de cultura; e que o grande número de imigrantes recebem assistência do Estado, o que diminui a capacidade de fornecer serviços de bem-estar aos “alemães”. O governo da Alemanha deve não apenas aprimorar seu aparato de segurança, mas também precisa usar todos os tipos de meios, incluindo educação e imprensa, para derrotar a retórica do ódio e o racismo propagado pelos grupos de extrema-direita contra imigrantes. A Alemanha não aceitou um grande número de imigrantes pela primeira vez. Nas décadas de 1960 e 1970, importou quase 1 milhão de trabalhadores da Turquia para se tornar a potência econômica da Europa. A contribuição dos imigrantes à economia da Alemanha é imensa. É importante que o governo destaque o lado positivo da migração e, também, o perigo do nacionalismo crescente e como ele trouxe resultados devastadores para o país na década de 1940.
Massacres como o ocorrido em Hanau são legitimados pelo discurso de ódio?
Sim, claro. Os discursos de ódio têm se tornado muito comuns, além de receberem uma aceitação cada vez maior. Esses discursos reforçam ainda mais a divisão entre “nós e eles” na sociedade alemã. Discursos de ódio são feitos pelos políticos da extrema-direita para mobilizar apoio a eles e obter ganhos eleitorais. As pessoas que praticam a violência contra imigrantes legitimam e justificam suas ações violentas ilegais, pois pensam servirem a uma causa maior, na proteção de seu país e de sua cultura. (RC)
“O racismo é um veneno, o ódio é um veneno. E esse veneno existe em nossa sociedade”
Angela Merkel, chanceler da Alemanha
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