Mundo

Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 22/02/2020 04:06


                              
Cartas na mesa em Montevidéu

Passado o carnaval, o Mercosul começa a ensaiar um novo enredo logo no primeiro domingo de março, com a posse do presidente do Uruguai. Luis Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, não apenas leva a centro-direita de volta ao governo, ao fim de quatro mandatos seguidos da coligação esquerdista Frente Ampla. Com a virada política em Montevidéu, completa-se o trio com o qual Jair Bolsonaro conta para imprimir ao Mercosul um rumo compatível com a política externa que traçou para o Brasil.

Ao lado do colega paraguaio, Mario Abdo Benítez (foto), a quem chama pelo apelido familiar de Marito, o presidente brasileiro desembarca em Montevidéu não apenas para cumprimentar o novo parceiro, mas para acertar ponteiros. A trinca de direita, capitaneada pelo Planalto, tem como denominador comum a determinação de dar as cartas no que se refere aos rumos do bloco. E, para isso, manter sob controle ou mesmo isolar, se preciso, o quarto sócio. Com o retorno do peronismo ao poder, na figura da dupla Alberto Fernández-Cristina Kirchner, a Argentina se vê como a voz solitária e remanescente da safra de governantes da esquerda nacionalista que impulsionou a integração regional nas primeiras duas décadas do século.

Fica para a próxima
Coincidência ou não, foi justamente Alberto Fernández o único chefe de Estado de um país-membro que apresentou antecipadamente as desculpas pela ausência na posse do novo parceiro. Formalmente, o presidente argentino invocou a coincidência com a abertura dos trabalhos legislativos em Buenos Aires, no primeiro ano que começa sob o seu governo. Na prática, a foto tradicional da cerimônia registrará o descompasso.

Mas o dia a dia e os próximos encontros de alto nível previstos na agenda do Mercosul tendem a colocar sobre a mesa temas que exigirão o debate aberto sobre os rumos do bloco. Ainda em campanha e assim que empossado, o presidente argentino fez reservas ao acordo comercial recém-negociado com a União Europeia e sugeriu que poderia retardar a ratificação pelo Congresso.

Muy amigos

A decisão de enviar como representante a Montevidéu a vice, Cristina Kirchner, adiou um pouco mais o primeiro encontro oficial de Fernández com o colega brasileiro. A reunião entre os governantes dos dois países que compartilham o leme do Mercosul tinha sido anunciada no último dia 12, em Brasília, durante a visita do chanceler Felipe Solá. E, naturalmente, alimentou expectativas sobre a movimentação de ambos os lados e a disposição de cada um para quebrar o gelo.

Não apenas a demora para o enlace entre sócios inseparáveis ilustra o período difícil à vista nas relações bilaterais, talvez o mais complicado desde que a redemocratização, nos anos 1980, ajudou a virar a página de uma longa era de rivalidade. Durante a disputa eleitoral do ano passado no país vizinho, Bolsonaro não se furtou a tomar partido — chegou a classificar como “desastre” o retorno do peronismo. Decidida a parada, recusou-se a cumprimentar o vencedor e descartou a ideia de prestigiar a cerimônia de posse.

Terra prometida
Março começa com os radares do Itamaraty voltados também para uma região do mundo que, embora distante, volta a exigir as atenções da diplomacia brasileira. No dia 2, Israel tem a terceira eleição parlamentar no intervalo de um ano, em mais uma tentativa para romper o impasse político entre o bloco de direita liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e a oposição de centro-esquerda, sob o comando do general reformado Benny Gantz.

“Bibi”, como é chamado o premiê entre os correligionários, tem no presidente brasileiro um importante aliado. Veio do governo Bolsonaro o aceno mais importante para a diplomacia israelense desde que Donald Trump transferiu para Jerusalém a embaixada americana, em 2018. O gesto implica o reconhecimento da soberania do Estado judeu sobre toda a Cidade Santa, cujo setor oriental (árabe) é reivindicado como capital para a Palestina.

Depois de marchas e contramarchas, o Planalto e o Itamaraty voltaram a sinalizar com a intenção de seguir os passos da Casa Branca e colocar em marcha a mudança da representação brasileira de Tel Aviv para Jerusalém — a despeito da esperada reação desfavorável do mundo árabe e muçulmano, que inclui importantes importadores do agronegócio brasileiro.




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