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Monitoramento ampliado para combater a fome

Solução tecnológica une dados de satélites, informações colhidas em terra e previsões meteorológicas para ajudar pequenos agricultores a melhorarem a produção. Projeto é desenvolvido em mais de 40 países, sendo a maioria deles africanos

Correio Braziliense
postado em 24/02/2020 04:14
Plantação de trigo na Etiópia: tecnologia permite prever detalhes, como o quão saudável será o cultivo

A fome é um problema para muitos países, principalmente os africanos. A fim de erradicá-la, autoridades, ativistas e pesquisadores buscam soluções nas mais diversas frentes. Uma cientista dos Estados Unidos resolveu usar uma tecnologia criada pela Nasa para ajudar nessa batalha. A pesquisadora e sua equipe têm analisado dados coletados por satélites da agência espacial americana para monitorar a produção alimentícia. As informações são combinadas com dados obtidos em terra e previsões meteorológicas, o que permite refinar o monitoramento — é possível, por exemplo, prever a produção de cada tipo de vegetal. O projeto tecnológico monitora mais de 40 países, mas os responsáveis pretendem expandir os territórios.

“Para muitos países africanos, a segurança alimentar é a questão mais premente da atualidade”, destaca ao Correio Catherine Nakalembe, líder do projeto, chamado Iniciativa Global de Monitoramento Agrícola do Grupo de Observações da Terra (GEO). A também professora-assistente de pesquisa na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, cresceu em Kampala, na Uganda, e conta com  mais de 40 parceiros na GEO. “Nosso objetivo é ajudar os países a desenvolverem os próprios sistemas de monitoramento agrícola e a usarem dados de satélite gratuitos e de baixo custo para informar decisões de agricultura e segurança alimentar”, resume.

O trabalho de Nakalembe e sua equipe consiste no uso de dados da Nasa que mostram onde e quais tipos de culturas alimentares estão crescendo, além de como elas evoluem à medida que a estação (de cada alimento) avança. As informações dos satélites são combinadas com os dados coletados nas fazendas. Ao compararem as informações sobre rendimentos de safras anteriores, os analistas podem estimar quanto alimento será produzido em uma estação. “Podemos até dizer o quão saudáveis são essas culturas”, detalha a pesquisadora.

Os dados também são combinados com previsões meteorológicas, o que permite emitir alertas de possíveis problemas. “Ao acrescentar a previsão de tempo a essas análises, podemos dizer quando e onde é provável que as culturas falhem, em outras palavras, podemos saber se uma área com culturas já estressadas sofrerá inundações, secas, doenças ou infestação de pragas”, explica Nakalembe.

Esse aviso antecipado dá às entidades que respondem à insegurança alimentar mais tempo para preparar e até mitigar completamente a escassez e a fome, destaca a cientista. “Isso pode ajudar os países a se prepararem para a redução de alimentos e a mobilizarem esforços humanitários, bem como a gerenciarem as colheitas para ajudar a informar os mercados de commodities e evitar oscilações drásticas nos preços dos alimentos nas regiões”, afirma.

Limitações

A GEO realiza o monitoramento em 44 países, cobrindo ao menos 11 épocas de cultivo a cada mês. O objetivo dos cientistas é expandir ainda mais esse sistema, incorporando outros países nas análises. “Estou trabalhando com agências agrícolas e meteorológicas em Uganda, Tanzânia, Quênia, Ruanda, Mali, Etiópia, Burundi, Mali e Níger para treinar analistas regionais e nacionais sobre como acessar e usar informações de satélite para o monitoramento da agricultura”, conta a líder do projeto.

Nakalembe ressalta que treinar especialistas de cada nação para realizar a análise é a melhor maneira de expandir o alcance do sistema de monitoramento. Essa tarefa, porém, é extremamente difícil, principalmente devido à falta de tecnologia em alguns países. “É um trabalho árduo, principalmente porque muitos países não estão em posição de fazer os investimentos necessários. Portanto, o apoio da Nasa e de outros grupos é fundamental para tornar esse trabalho ainda mais amplo”, frisa. Apesar de dificultoso, o projeto tem rendido frutos, avalia a cientista. “Por exemplo, tivemos recentemente uma invasão de gafanhotos na África Oriental. Os relatórios regionais forneceram aos países informações atualizadas sobre a extensão e o impacto desse fenômeno”, ilustra.

Adaptações

Os métodos tradicionais de monitoramento agrícola têm como alvo safras globais, com mapeamento em larga escala. Funcionam bem em países que são grande produtores, que têm fazendas e monoculturas, como os Estados Unidos. Mas em locais em que predominam os pequenos cultivos, essas técnicas e esses processos não foram desenvolvidos ou implementados. “Esse é um dos nossos objetivos. Acreditamos que, ao introduzir desenvolvimentos tecnológicos em conjunto com programas de capacitação e monitoramento de culturas nesses pequenos territórios, ajudaremos muito, fortaleceremos as melhores tomadas de decisão na agricultura e na segurança alimentar”, aposta Nakalembe.

Júlio Esquerdo, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, acredita que o sistema criado é bastante inteligente, já que utiliza tecnologias existentes para alcançar ganhos maiores na área agrícola. “O monitoramento de culturas durante o seu desenvolvimento é algo que tem sido buscado por muitos especialistas. Na Embrapa, também fazemos esse tipo de análise em parceria com outros órgãos, como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Todas essas medidas buscam otimizar a produção dos alimentos, uma necessidade global e que é ainda mais importante para países que produzem muito, como o Brasil”, afirma. “Assim como os autores do projeto falam, essas ferramentas podem contribuir bastante para o combate à fome, com o aumento da produção, e também para a economia, ajudando a controlar o preço das commodities.”

Para o especialista brasileiro, o uso de tecnologias poderá ajudar, principalmente, a diminuir os danos causados pelas mudanças climáticas. “O aquecimento é uma preocupação recorrente, pois pode gerar uma série de desequilíbrios. Com as imagens geradas por satélites, é possível entender melhor essas mudanças e, com isso, gerar ações que diminuam ou impeçam prejuízos na produção de alimentos”, explica.

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