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Vaticano abre os arquivos sobre papa Pio XII

Papa Pio XII foi acusado de ficar silêncio durante o extermínio de seis milhões de judeus no Holocausto

Correio Braziliense
postado em 01/03/2020 13:20

Papa Pio XII foi acusado de ficar silêncio durante o extermínio de seis milhões de judeus no HolocaustoO Vaticano revelará, na segunda-feira (2/3), os arquivos de Pio XII (1939-1958) aos pesquisadores, ansiosos para estudá-los e entender melhor um papa que permaneceu em silêncio durante o extermínio de seis milhões de judeus no Holocausto.

 

Duzentos especialistas se registraram para consultar uma montanha de documentos, acessíveis graças a um inventário que os arquivistas da Santa Sé levaram 14 anos para concluir. 

 

O historiador alemão Hubert Wolf não perderá o compromisso em Roma, junto com seis assistentes. Durante a apresentação, esteve muito atento às indicações dos arquivistas e ficou encantado com a existência de documentos inexplorados de uma "secretaria privada" do papa.

 

Esse especialista na relação entre Pio XII e os nazistas seguirá outra pista: as notas escritas por 70 embaixadores do Vaticano, os olhos do papa no exterior. E os pedidos de ajuda de organizações judaicas ou mensagens trocadas com o presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt.

 

Os arquivos do longo período pós-guerra e da censura de escritores e padres inspirados pelo comunismo também serão abertos pela primeira vez.

 

Para a fase do Holocausto, o Vaticano já publicou o essencial há 40 anos, em 11 volumes compilados pelos jesuítas. Mas faltam peças, especialmente as respostas do papa. 

 

"Quando o papa recebe um documento sobre os campos de concentração [já revelado nos volumes dos jesuítas], não temos a resposta. Ou ela não existe ou está no Vaticano", disse Hubert Wolf à AFP.

 

O historiador já examinou os doze anos de vida na Alemanha de Eugenio Pacelli, embaixador da Santa Sé (1917-1929) e testemunha da ascensão do nazismo. Mais tarde, voltou a Roma para se tornar a mão direita de seu antecessor, Pio XI, antes de ser eleito papa.

 

Os arquivos já revelaram que o pontífice recebeu alertas sobre o extermínio de judeus na Europa.

 

"Não há dúvida de que o papa estava consciente dos assassinatos de judeus, o que realmente nos interessa é quando ele soube pela primeira vez e quando acreditou", diz Hubert Wolf.

 

- 1942: Mensagem de Natal -

Em 24 de dezembro de 1942, durante sua longa mensagem de Natal, Pio XII menciona "centenas de milhares de pessoas que, sem nenhuma culpa, e às vezes pelo único motivo de sua nacionalidade ou raça, são condenadas à morte ou ao extermínio progressivo".

 

A mensagem foi transmitida em italiano uma vez, sem mencionar explicitamente os judeus ou os nazistas, mas "os católicos alemães ouviram e entenderam?"

 

"Os únicos que ouviram foram os nazistas", resume Wolf, porque havia interferência nas ondas de rádio e o papa poderia ter falado em alemão.

 

"Depois da guerra, Pio XII disse a um embaixador britânico 'fui muito claro' e o embaixador respondeu 'não o entendi'", destaca o historiador. 

 

Pio XII, um ex-diplomata que queria permanecer neutro em tempos de guerra, estava preocupado com a proteção dos católicos e não podia ser mais explícito, argumentam seus defensores.

 

Os historiadores estimam que cerca de 4 mil judeus foram escondidos em Roma em instituições católicas. 

 

"Muitos judeus foram salvos em conventos, mas por que foram mortos por pessoas que alegavam ser cristãs?", aponta o especialista americano David Kertzer, autor de um livro sobre Pio XII e Mussolini.

 

Na sua opinião, o tema essencial permanece "o silêncio do papa" e uma Igreja católica que "demonizou" os judeus por muito tempo.

 

"O papa estava envolvido por esse massacre em massa, que ele estava consciente desde 1941", assegura à AFP este professor universitário, que acusa Pio XII de nunca ter pronunciado a palavra "judeu".

 

Hubert Wolf enfatiza que Pio XII permaneceu em segundo plano após a guerra, "sem dizer nada sobre o Holocausto". "E por que ele não reconheceu a criação do Estado de Israel em 1948?", pergunta.

 

David Kertzer começará a verificar os arquivos na segunda-feira para terminar um novo livro sobre o período fascista.

 

Ele já digitalizou dezenas de milhares de páginas de arquivos diplomáticos na Alemanha, Itália e França e examinou documentos militares dos EUA e arquivos fascistas italianos.

 

O especialista diz que um bom relatório diplomático ou um diário pessoal esquecido podem fornecer pistas sobre as "emoções" do papa. Mas acredita que "muita informação interessante sairá em conta-gotas do Vaticano ao longo dos anos". 

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