Correio Braziliense
postado em 06/03/2020 04:07
Uma década de ação política insuficiente sobre as mudanças climáticas significa que as nações devem, agora, fazer quatro vezes o trabalho — ou o mesmo em um terço do tempo — para cumprir o pacto climático que fizeram em Paris, segundo um comentário assinado por 14 cientistas publicado na revista Nature. As conclusões dos autores, dos quais faz parte o brasileiro Roberto Schaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), são baseadas em uma síntese das 10 edições do Relatório de Lacunas de Emissões produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
A cada ano, na última década, o documento examina a diferença (a lacuna) entre o que os países se comprometeram a fazer individualmente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o que precisam fazer coletivamente para cumprir as metas de temperatura acordadas. Os autores do comentário afirmam que os cortes de emissões exigidos de 2020 a 2030 são agora mais de 7% ao ano, em média, para o limite de temperatura de 1,5 °C estabelecido em Paris. Se uma ação climática séria tivesse começado em 2010, alegam, os cortes necessários para atingir níveis de emissão de 2 °C teriam sido de 2% ao ano, em média.
A janela de tempo para reduzir pela metade as emissões globais também diminuiu: hoje são 10 anos para 1,5 °C e 25 anos para 2 °C. “Se a comunidade internacional tivesse levado mais a sério os seus compromissos assumidos já desde Paris em 2015, o esforço hoje para manter o mundo dentro de uma trajetória compatível com um mundo de 1,5ºC seria muito menor, e provavelmente muito mais factível também”, ressalta Schaeffer, que é o sexto autor mais influente do Grupo de Mitigação (Grupo 3) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.
Exemplos
Apesar do cenário nada animador, alguns países, estados e cidades têm dado lições de sustentabilidade. Segundo o artigo, 76 países e regiões e 14 estados e comunidades instituíram como meta zerar suas emissões líquidas de carbono (quando o balanço entre emissão e captura de carbono se torna nulo). Para encurtar o gap, os autores ressaltam que é fundamental ampliar a escala dessas histórias de sucesso, tornando-as exemplos para os demais. Costa Rica, Shenzhen (China) e Copenhague mostram avanços no uso de energias renováveis e na eletrificação de transporte. A Califórnia e o Reino Unido fixaram metas ambiciosas para atingir a neutralidade nas emissões de carbono até 2045 e 2050, respectivamente.
“Pela dimensão econômica dessas economias, trata-se de um forte sinal para o setor industrial. Mas ainda não é algo implementado, está no campo das intenções”, avalia Schaeffer. “Alguns estados, regiões e mesmo empresas estão tomando iniciativas próprias, indo além da inércia dos governos nacionais. Isso gera um bom sinal para descarbonização progressiva da economia”, complementa o professor do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.
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