Mundo

Robô social vence barreiras do autismo

Máquina de aprendizado personalizado interage com crianças autistas dentro de suas casas, durante um mês. Segundo os criadores do androide, 92% dos participantes apresentaram avanços nas habilidades sociais após o período de convivência

Correio Braziliense
postado em 09/03/2020 04:35
O Kiwi pode ter aparência personalizada. Durante os testes, o robô ficou vestido como um pássaro

Como a interação social é prejudicada em pessoas com autismo, muitas crianças e adolescentes enfrentam dificuldades no aprendizado, especialmente nos ambientes escolares tradicionais. Algumas pesquisas sugerem que robôs socialmente assistentes podem ajudá-los nesse processo, mas apenas se a máquina conseguir interpretar com precisão o comportamento do estudante e reagir adequadamente.

Essa tarefa foi assumida por pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação da Universidade do Sul da Califórnia (USC), que desenvolveram robôs de aprendizado personalizados para crianças com autismo. Os cientistas norte-americanos também investigaram se os equipamentos poderiam estimar o grau de interesse dos pequenos em uma atividade usando o aprendizado de máquina.

De acordo com os pesquisadores, esse é um dos maiores estudos do gênero já realizado. Nos testes, foram colocados robôs de assistência social nas casas de 17 crianças com autismo, durante um mês. Os equipamentos tiveram as instruções personalizadas para os padrões de aprendizagem de cada estudante ao longo das intervenções. Passado esse período, os cientistas também analisaram o envolvimento dos participantes e se o robô foi capaz de detectar autonomamente se os pequenos estavam ou não interessados e participativos, com 90% de precisão. Os resultados foram publicados nas revistas Frontiers in Robotics and AI e Science Robotics.

Os robôs têm capacidade limitada de reconhecer e responder autonomamente a sinais comportamentais, especialmente em usuários atípicos e em cenários do mundo real, fora dos laboratórios. Segundo os cientistas da USC, esse estudo é o primeiro a modelar os padrões de aprendizagem e o envolvimento de crianças com autismo em um ambiente doméstico em longo prazo. “Os sistemas robóticos atuais são muito rígidos”, diz o principal autor dos artigos, Shomik Jain, estudante de matemática da instituição e participante da pesquisa liderada pela professora Maja Mataric. “Se você pensar em um ambiente de aprendizado real, o professor aprenderá coisas sobre a criança e aprenderá com elas. É um processo bidirecional, que não acontece com os sistemas robóticos atuais. Esse estudo teve como objetivo desenvolver robôs mais inteligentes, que entendam o comportamento da criança e respondam a ele em tempo real.”

Os pesquisadores, contudo, enfatizam que o objetivo é aumentar a eficácia da terapia humana, e não substituí-la. “Os terapeutas humanos são cruciais, mas nem sempre estão disponíveis ou acessíveis para as famílias”, justifica Kartik Mahajan, estudante de graduação em ciência da computação e coautor do estudo. “Um grande equívoco persistente sobre sistemas robóticos de assistência em geral, e não apenas no uso para pacientes com autismo, é que eles substituirão os cuidadores humanos. Esse nunca é o objetivo ou a intenção. O cuidado humano é único. As máquinas existem para preencher uma lacuna de atendimento”, reforça Mataric.

Por reforço
Financiada por uma doação da Fundação Nacional de Ciências dos EUA (NSF) concedida a Mataric, a equipe de pesquisa utilizou o robô Kiwi, máquina que pode ter aparências personalizadas, para interagir com 17 crianças com distúrbios do espectro do autismo por cerca de um mês. Elas tinham entre 3 e 7 anos de idade e eram moradoras da área da Grande Los Angeles. Durante as intervenções quase diárias, os pequenos participavam de jogos de matemática com temas espaciais em um tablet, enquanto Kiwi, um robô vestido como um pássaro de penas verdes, fornecia instruções e feedback em tempo real e de forma individualizada.

A equipe de Mataric no Laboratório de Interação da USC conseguiu isso usando o aprendizado por reforço, um subcampo de inteligência artificial (IA) que cresce rapidamente. Os algoritmos monitoraram o desempenho da criança nos jogos de matemática. Por exemplo, se respondessem corretamente, Kiwi diria algo como “Bom trabalho!”. Em caso de erro, o robô pode dar algumas dicas úteis para resolver o problema e ajustar a dificuldade em jogos futuros. “Se você não tem ideia do nível de habilidade da criança, basta lançar um monte de problemas variados para ela, e isso não é bom para o engajamento ou o aprendizado. Mas se o robô conseguir encontrar um nível adequado de dificuldade para os problemas, isso poderá realmente melhorar a experiência de aprendizado” diz Shomik Jain.

“Fronteira definitiva”
“O autismo é a fronteira definitiva para a personalização robótica, porque, como qualquer pessoa que conheça sobre essa condição lhe dirá, todo indivíduo tem uma constelação de sintomas e graus de severidade diferentes”, afirma Mataric. De acordo com ela, isso representa um desafio particular para o aprendizado de máquina, que geralmente depende de detectar padrões consistentes a partir de grandes quantidades de dados semelhantes tão importantes. “As abordagens normais de inteligência artificial falham com o autismo. Os métodos de IA requerem muitos dados semelhantes, e isso simplesmente não é possível com o autismo, em que a heterogeneidade reina.”

Para abordar esse problema, modelos de engajamento em computador foram desenvolvidos combinando muitos tipos de dados, incluindo olhar nos olhos, a pose da cabeça, a afinação da criança, a frequência da voz e o desempenho na tarefa. Fazer esses algoritmos funcionarem usando dados do mundo real foi um grande desafio, disseram os pesquisadores, especialmente por causa da imprevisibilidade do estudo e também das muitas distrações nos locais de interação, algo típico de um ambiente não controlado. “Havia gatos pulando no robô, barulho de liquidificador na cozinha e pessoas entrando e saindo da sala”, conta Kartik, que ajudou a instalar os robôs na casa das crianças. “Por isso, os algoritmos de aprendizado de máquina precisavam ser sofisticados o suficiente para se concentrar em informações pertinentes relacionadas à sessão de terapia e desconsiderar o ruído ambiental.”




"As abordagens normais de inteligência artificial (IA) falham com o autismo. Os métodos de IA requerem muitos dados semelhantes, e isso simplesmente não é possível”
Maja Mataric, líder da pesquisa e professora da Universidade do Sul da Califórnia


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags