Mundo

Um país, dois presidentes

Com minutos de diferença, Ashraf Ghani, declarado reeleito pelo Comitê Eleitoral, e Abdulah Abdulah, que reivindica a vitória, tomam posse no cargo, criando governos paralelos e abrindo uma crise institucional às vésperas do diálogo com o Talibã

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 04:07
De turbante branco, Ghani celebra o novo mandato, conferido por 50,64% do eleitorado





De um lado, Ashraf Ghani, atual governante do Afeganistão, proclamado reeleito nas urnas pelo Comitê Eleitoral. De outro, o ex-primeiro-ministro Abdullah Abdullah, que reivindica a vitória, sob o argumento de que houve fraude na votação. Ontem, ambos tomaram posse no cargo, criando governos paralelos e mergulhando o país em uma crise institucional num momento especialmente delicado, às vésperas do início das negociações com o Talibã.

No momento em que Ghani e Abdullah assumiam, em cerimônias distintas, duas explosões sacudiram Cabul, em mais um atentado reivindicado pelo Estado Islâmico (EI). Na última sexta-feira, o grupo terrorista assumiu a autoria de outro ataque, também na capital afegã.

As ofensivas refletem o nível de insegurança no país, um dia antes do início do diálogo interafegão previsto no acordo assinado em 29 de fevereiro, em Doha, entre os Estados Unidos e a facção insurgente. Teme-se que a divisão dentro do executivo enfraqueça Cabul e fortaleça as posições dos extremistas.

Ao reivindicar o atentado de ontem, o Estado Islâmico (EI) afirmou ter lançado 10 foguetes. O ministério afegão do Interior, entretanto, contabilizou quatro projéteis. Um policial ficou ferido.

Juramento
“Não tenho colete à prova de balas, apenas minha camisa. Continuarei (no cargo), embora tenha que me sacrificar”, disse Ghani, depois de ter jurado “obedecer e proteger a santa religião do Islã” e “respeitar e supervisionar a aplicação da Constituição”.

Usando um grande turbante branco, o presidente reeleito tomou posse diante de um grupo de diplomatas minutos antes de Abdullah Abdullah, que perdeu nas eleições de setembro de 2019, também se declarar o líder do Afeganistão em outra ala do palácio presidencial. “O povo afegão me confiou uma enorme responsabilidade e estou determinado a servi-lo”, disse o ex-premiê.

Desgastados pelos embates, Ghani e Abdulah perderam a confiança de uma grande parte da população. “É impossível ter dois presidentes em um país”, desabafou Ahmad Jawed, um desempregado de 22 anos, que pediu aos dois políticos que “deixassem de lado seus interesses pessoais e pensassem em seu país, em vez de lutar pelo poder”.

Nas últimas eleições presidenciais, cujos resultados foram anunciados no mês passado, em meio a um grande número de denúncias de irregularidades apresentadas pelos candidatos: o atual presidente obteve 50,64% dos votos e o ex-premiê, 39,52%. No entanto, o candidato derrotado rejeitou os resultados e os rotulou de “traição nacional”.

A situação política lembra os piores momentos das eleições de 2014, nas quais os dois também eram protagonistas e afirmaram ter vencido. Na época, crise constitucional durou três meses e foi resolvida com a mediação dos Estados Unidos.

O cenário, neste momento, se apresenta mais frágil, ameaçando as negociações de paz no país. “Nada é mais importante para esses escravos do que seus interesses pessoais”, disse o porta-voz dos talibãs, Zabihulah Muyahid. Recentemente, os insurgentes encerraram uma trégua parcial de nove dias e retomaram os combates contra as forças de segurança afegãs nas áreas rurais, matando dezenas de pessoas em uma semana.

Para analistas, o quadro pode atrasar o diálogo, que tem um entrave. Ghani vinha se recusando  a libertar  até 5 mil prisioneiros talibãs em troca de até mil membros das forças afegãs. Ontem, ele emitiu sinais de que poderá cumprir parcialmente essa exigência e soltar mil extremistas.



“Não tenho colete à prova de balas, apenas minha camisa. Continuarei (no cargo), embora tenha que me sacrificar”

Ashraf Ghani, presidente reeleito do Afeganistão


Tropas americanas são retiradas
Dez dias após a assinatura do acordo com o grupo fundamentalista Talibã, em Doha, os Estados Unidos começaram, ontem, a retirar soldados do Afeganistão, segundo declarações dadas pelo coronel Sonny Leggett, porta-voz das forças americanas no país, à agência de notícias France Presse. A informação veio momentos depois de fontes afegãs afirmarem que o governo pretende soltar mil extremistas em breve. A resistência de Cabul à libertação de 5 mil insurgentes é vista como um obstáculo à negociação direta com o grupo. No pacto, Washington se comprometeu a reduzir suas tropas no país, de 12 mil militares para 8,6 mil num prazo de 135 dias.


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