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Segundo paciente é curado do HIV

Adam Castillejo está há 30 meses sem apresentar sinais do vírus no corpo. Condição é resultado de um transplante de medula óssea para tratar um câncer. Segundo cientistas, o resultado abre a possibilidade de exploração de novas estratégias terapêuticas

Correio Braziliense
postado em 11/03/2020 04:07
Adam Castillejo está há 30 meses sem apresentar sinais do vírus no corpo. Condição é resultado de um transplante de medula óssea para tratar um câncer. Segundo cientistas, o resultado abre a possibilidade de exploração de novas estratégias terapêuticas
Cientistas europeus anunciaram o segundo caso de cura do HIV. A descoberta foi descrita na última edição da revista britânica The Lancet HIV, 10 anos depois da primeira divulgação de eliminação do vírus, façanha que ficou conhecida como o Paciente de Berlim. Em ambas as situações, o resultado se deu após um transplante de células-tronco para tratamento de tumores do sangue. Apelidado de Paciente de Londres, o novo caso foi apresentado pela primeira vez em março de 2019 como em estado de remissão da doença. À época, o homem não apresentava sinais da presença do patógeno no corpo havia 18 meses. Agora, um ano depois, a equipe deixa de falar em remissão e passa a comemorar a cura.

“Testamos um número considerável de lugares, onde o vírus gosta de se esconder e praticamente tudo deu negativo, fora alguns restos ‘fósseis’ de vírus inativos”, disse à agência France-Presse de Notícias (AFP) Ravindra Gupta, pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e um dos autores do estudo. Também esta semana, o Paciente de Londres decidiu revelar sua identidade. Adam Castillejo, 40 anos, cresceu em Caracas, na Venezuela, e foi diagnosticado soropositivo em 2003.   Oito anos depois, foi submetido ao mesmo tratamento de Timothy Ray Brown, o Paciente de Berlim.

Trata-se de um transplante de medula óssea para tratar um linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer linfático. Assim como Timothy, Adam Castillejo recebeu células-tronco de doadores que tinham uma rara mutação genética que impede o HIV de se estabelecer, o CCR5. Também recebeu um regime de quimioterapia de intensidade reduzida, mas sem irradiação do corpo inteiro, ou seja, um tratamento mais leve do que no primeiro caso. Dezoito meses depois, o vírus seguia indetectável no corpo de Adam, mas os cientistas alegaram que ainda não sentiam segurança para definir a condição como cura.

Desde então, mensalmente, os pesquisadores analisaram amostras ultrassensíveis de carga viral no sangue, no líquido cefalorraquidiano e no tecido intestinal do Paciente de Londres. Para entender melhor a resposta do organismo de Adam, e como etapa final do estudo, também fizeram a contagem de células CD4 — um indicador de saúde do sistema imunológico e de sucesso do transplante de células-tronco. Nenhuma infecção viral ativa foi detectada. O paciente apontou uma contagem de células CD4 saudável, sugerindo que havia se recuperado bem do transplante. Além disso, os exames mostraram que 99% das células imunológicas dele eram derivadas das células-tronco do doador, indicando que o transplante havia sido bem-sucedido.

Diante das constatações, os cientistas fizeram o tão esperado anúncio. “Sugerimos que nossos resultados representam uma cura do HIV”, escreveram  no artigo divulgado ontem. Para a equipe, o fato de a cura de Timothy ter permanecido única por quase 10 anos sugeria que o caso era apenas um golpe de sorte. A partir de agora, com a existência do caso de Londres, o cenário muda. “Nossas descobertas mostram que o sucesso do transplante de células-tronco como tratamento para o HIV, relatado pela primeira vez para o Paciente de Berlim pode ser replicado”, ressaltam.

Andrew Freedman, da Universidade de Cardiff e não participante do estudo, considera que o trabalho é “importante para o desenvolvimento de estratégias de tratamento que possam ser mais amplamente aplicáveis”. Há, porém, especialistas mais cautelosos. “O paciente de Londres está realmente curado?”, questiona Sharon Lewin, da Universidade de Melbourne. “Os dados (...) obviamente são empolgantes e encorajadores, mas, no fim, apenas o tempo dirá”, observou, estimando ser necessário “mais do que um punhado de pacientes curados do HIV para avaliar a probabilidade de um retorno tardio e inesperado da replicação do vírus”.

Os pesquisadores agora esperam obter mais casos de sucesso. “Outros pacientes receberam tratamento semelhante, mas nenhum está em remissão (...). Provavelmente, haverá outros, mas isso levará tempo”, afirma Gupta. Adam Castillejo, que decidiu revelar sua identidade também esta semana, em uma entrevista ao jornal The New York Times, acredita que seu caso possa ser o início de notícias positivas para soropositivos. “Quero ser um embaixador da esperança”, declarou.


"Testamos um número considerável de lugares, onde o vírus
gosta de se esconder e praticamente tudo deu negativo,
fora alguns restos ‘fósseis’ de vírus inativos”
Ravindra Gupta, 
da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo


Para saber mais


Timothy, uma inspiração

O Paciente de Berlim, Timothy Ray Brown, de 54 anos, descobriu que era soropositivo em 1995. Em 2006, ele foi diagnosticado com leucemia e  submetido a uma quimioterapia. Os resultados, porém, não foram bons, e os médicos decidiram testar um transplante de células-tronco hematopoiéticas, diante da falta de alternativas menos agressivas.

A estratégia era lutar contra as duas doenças ao mesmo tempo. Dessa vez, os efeitos esperados foram atingidos, e  Timothy se tornou o primeiro paciente curado do HIV. Em 2010, ele saiu do anonimato e declarou, em uma entrevista, que não gostaria de ser o único a passar pelo processo, pois se sentia culpado. Brown, que não gosta de ser identificado como Paciente de Berlim, participa de eventos de combate à doença e declara que é a prova viva de que pode haver uma cura para a Aids.
 
 

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