Mundo

Covid muda hábitos e assusta o planeta

Governos enfrentam o desafio de adotar medidas para proteger a população sem comprometer a relação com vizinhos e desrespeitar as liberdades individuais. A proibição de eventos religiosos e o cancelamento de grandes eventos estão entre as polêmicas

Correio Braziliense
postado em 13/03/2020 04:15
Limpeza em metrô em Seul: casos de infecção superam 130 mil em 116 países


As incertezas geradas pelo novo coronavírus levam governos do mundo todo a adotarem receitas divergentes e unilaterais, enquanto a pandemia transforma hábitos e assusta a humanidade. O caos na organização de grandes eventos é o exemplo flagrante da pressão que pesa sobre as autoridades, que também enfrentam um dilema muito delicado entre o respeito às liberdades individuais e a luta contra a propagação do vírus.

“Existe uma democracia sanitária? Ante uma epidemia, é um pouco antiético deixar as pessoas fazerem o que elas querem”, afirma Anne-Marie Moulin, médica, filósofa e diretora de pesquisa do Centro Nacional para a Pesquisa Científica (CNRS), de Paris.  “O risco faz parte de uma sociedade livre. Não podemos eliminá-lo e é preciso achar um equilíbrio. Nós fazemos constantemente essa escolha em políticas públicas e esse debate deve acontecer em uma democracia”, diz o filósofo liberal Gaspard Koenig.

Ontem, o número de casos do novo coronavírus no mundo excedeu 130 mil, com mais de 4,9 mil mortes em 116 países e territórios, de acordo com um balanço estabelecido pela agência de notícias France Presse a partir de fontes oficiais. O aumento se deve, em especial, a casos confirmados na Itália, o segundo país mais afetado depois da China. As autoridades italianas registraram 2.651 novos casos entre quarta-feira e ontem, totalizando 15.113 pessoas contaminadas e 1.016 mortes.

No país europeu, paralelamente à adoção de várias medidas governamentais contra o vírus, o cardeal Angelo De Donatis, bispo vigário de Roma, anunciou ontem que todas as igrejas da cidade permanecerão fechadas durante todo o mês. “Até sexta-feira, 3 de abril de 2020, o acesso às igrejas e, de maneira geral, aos locais de culto permitidos ao público, ficam proibidos a todos os fiéis”, informou De Donatis, em comunicado à imprensa.

Embora as missas, assim como qualquer outra reunião de pessoas, já tenham sido proibidas, as igrejas permaneciam abertas aos fiéis. “Lembramos que esta disposição foi adotada para o bem comum”, observou o prelado.
 
A decisão é particularmente simbólica na Itália, onde a grande maioria da população se declara católica. Na terça-feira, o papa Francisco pediu aos padres “que tenham coragem de sair e visitar os doentes”, acompanhando as equipes médicas e os voluntários.

Fronteiras
Os países do continente europeu tentam conter o avanço do novo coronavírus. Na Eslovênia, o governo decidiu fechar completamente a fronteira com a Itália, enquanto a Eslováquia proibiu a entrada de estrangeiros, à exceção dos vizinhos poloneses.

Diante da previsão de que entre 60% e 70% da população será infectada pelo vírus, a chanceler alemã, Angela Merkel, pediu ontem que cancelem todos os eventos “desnecessários” de menos de mil pessoas para conter a propagação do novo coronavírus.

“Os contatos sociais devem ser evitados o máximo possível”, disse Merkel, após uma reunião em Berlim com líderes regionais dedicados à epidemia de Covid-19.  Os 16 governos regionais terão que decidir se querem fechar as escolas com base na situação local, disse Merkel.

A pandemia impactou, inclusive, a segunda rodada de negociações do pós-Brexit. Previstas para a próxima semana, em Londres, as discussões sobre a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia foram canceladas por tempo indeterminado.

Estados Unidos
Nos Estados Unidos, onde os diagnósticos do coronavírus já passaram de mil, com pelo menos 30 mortes, o parque de diversões Disneylândia, um dos mais populares da Califórnia, fechará as portas ao público a partir de amanhã, como medida de precaução, informou um porta-voz. “Embora não tenhamos sido informados de nenhum caso de Covid-19 no Disneyland Resort, apenas examinamos as diretrizes da ordem executiva do governador da Califórnia”, diz o funcionário, explicando que, no estado, a determinação é pela suspensão de todos os eventos com mais de 250 pessoas.

Em Nova York, foram proibidos todos os eventos para mais de 500 pessoas, incluindo shows da Broadway, anunciou, ontem, o governador Andrew Cuomo, chamando as medidas de “dramáticas”. Para eventos com menos de 500 pessoas, o público ficará limitado à metade da capacidade total de cada teatro a partir de hoje às 17h (19h em Brasília), disse Cuomo.

A partir de hoje, e pelos próximos 30 dias, os voos da Europa para os Estados Unidos estão suspensos, por determinação do presidente Donald Trump. As únicas exceções serão para as viagens do Reino Unido (que já registra 460 casos) e para americanos que já tiverem passado pelos testes apropriados.

Diplomacia
Em tempos de pandemia, a diplomacia também fica por um fio. No mundo do livre-comércio de 2020, a tentação de medidas protecionistas e de se fechar é grande, frente à ameaça de um vírus. No momento em que as máscaras e o álcool em gel somem das prateleiras, alguns países, como Alemanha ou França, proibiram, por exemplo, a exportação de material médico de proteção.

Essas políticas de isolamento, entre outras consequências, deixam no ar a seguinte pergunta: como os governos devem proteger sua população sem irritar seus parceiros? Analistas consideram que talvez essa tenha sido, no início da epidemia, uma questão para o Irã, que demorou para tomar medidas em relação aos viajantes chineses.

“O regime fez de tudo para disfarçar a existência e a propagação desse vírus, enquanto o mundo inteiro sabia que a China era, naquele momento, o centro de propagação desse vírus. Os iranianos continuaram a fazer como se nada estivesse acontecendo em nome de suas relações com a China”, comenta a professora de Ciência Política e especialista em Irã, Azadeh Kian, em Paris.

“A China é um parceiro crucial do regime iraniano. É seu primeiro comprador de petróleo. Isso explica por que eles não tomaram medidas”, completa Azadeh Kian, acrescentando que, “graças aos veículos (de comunicação) estrangeiros”, a população pôde tomar conhecimento da envergadura da epidemia nos países.

Alívio
Enquanto os governos de todo os continentes aplicam, cada um, as medidas sanitárias que consideram necessárias ao enfrentamento da pandemia, a China, primeiro centro propagador da Covid-19, parece consolidar os resultados positivos de suas medidas de estrito confinamento. Entre quarta-feira e ontem, foram registrados 15 novos casos no país, o que levou o governo de Pequim a anunciar o fim do pico do surto do vírus.

“A China é única, porque ela tem um sistema político que pode obter o consentimento da população, apesar das medidas extremas. Mas o controle social e a vigilância intrusiva não são um bom modelo para os outros países”, assinala Lawrence Gostin, professor de direito da saúde na Georgetown University, na revista Science.



Americanos tentam
voltar para casa
Turistas americanos correram ontem para os aeroportos de Paris e de Londres na tentativa de voltar para casa, após a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de proibir a entrada, no país, de voos procedentes da Europa por causa do coronavírus. A medida entra em vigor hoje.“Acabamos de sair do nosso avião e vamos voltar direto. Não podemos acreditar!”, diz Tiara Streng, 29 anos, enquanto aguardava na fila com três amigos no aeroporto de Heathrow, na capital britânica, para tentar um voo de volta ao Colorado.




 


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