Mundo

Apreensão em Berlim

Capital alemã tem 158 pessoas infectadas. Com 2.369 casos confirmados e cinco mortes, o país passa a tomar medidas mais severas para enfrentar a disseminação da doença. Brasileiros contam como estão lidando com a pandemia

Correio Braziliense
postado em 14/03/2020 04:14
Poucas pessoas nas ruas de Berlim, onde, a partir da próxima semana, escolas, bares, museus , cinemas e teatros vão interromper atividades





Berlim — A capital alemã não era considerada um local crítico na crise do coronavírus, afinal, outras regiões do país apresentam muito mais casos de infectados. Nos últimos dias, porém, o governo começou a adotar medidas mais severas também em Berlim, que identificou 174 pessoas infectadas com a Covid-19. Em todo o país, são 3.062 pacientes e cinco mortes registradas, de acordo com boletim do Instituto Robert-Koch. Outras instituições estimam que há mais casos do que isso.

O Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas (CSSE) da Johns Hopkin Whiting School of Engineering calcula que os casos na Alemanha passam de 3,1 mil. Muitas empresas, incluindo redações de jornais e companhias de mídia, passaram a operar em home office. O governo local anunciou que o transporte público será reduzido ao mínimo possível. Será priorizada a locomoção usando trens.

Serviços básicos, como água, gás e eletricidade, devem continuar sendo oferecidos normalmente. Hospitais, bombeiros e a polícia também seguem em normalidade. A partir de terça-feira, no entanto, todos os bares, clubes noturnos e boates serão fechados em Berlim

Colégios fechados

O governo da capital alemão também anunciou o fechamento de todas as instituições culturais mantidas pelo estado, incluindo teatros, salas de ópera, museus e bibliotecas. A associação de futebol amador de Berlim suspendeu todas as partidas.

Na cidade, algumas escolas e creches tinham sido fechadas por casos eventuais de coronavírus identificados entre alunos, pais de estudantes, professores ou funcionários. Agora, a medida será geral como estratégia para tentar conter a propagação da Covid-19.

Na segunda-feira, devem parar de funcionar colégios de formação técnica e profissional. No dia seguinte, serão fechadas escolas, creches e jardins de infância. A medida foi anunciada na manhã de onten pelo prefeito da capital alemã, Michael Müller (SPD), depois que várias organizações e políticos fizeram pressão pelo fechamento das instituições de ensino, que já havia sido adotada em várias outras regiões da Alemanha. Em outros estados, como a Bavária, os colégios foram fechados na última segunda (9/3), com previsão de ficarem assim, pelo menos, até a Páscoa. Na Bavária, também foram suspensas as visitas a asilos.

Encontros políticos também são afetados: a conferência do Partido Verde da Alemanha, marcada para o fim de março, foi adiada. Igrejas, teatros, cinemas e museus também começam a fechar as portas. A recomendação oficial do governo alemão é cancelar todos os eventos com mil pessoas ou mais.

Incertezas

Brasileiros que vivem na capital alemã contam que o cotidiano sofreu grandes alerações. Ana Paula Detsch,  31 anos, mora em Berlim com o marido e o cachorro. Na cidade desde 2017, ela acredita que a redução do transporte público pode gerar “caos”, pois, apesar de funcionar muito bem, o sistema fica lotado nos horários de pico. “Aí, talvez, seja uma medida ainda pior, porque, se a pessoa precisa ir trabalhar, ela vai continuar indo trabalhar”, observa, notando que a concentração de passageiros pode aumentar, trazendo mais riscos, visto que lugares cheios facilitam a propagação da doença.

A descendente de alemães opina que a medida pode ser boa se todas as empresas adotarem home office. “Se não, vai ser um tiro no pé”, pondera. No emprego da irmã dela, o trabalho remoto já foi adotado. Onde Ana Paula trabalhou até ontem, a medida estava sendo discutida. Ela era empresária do ramo óptico no Brasil e, em Berlim, atuava como on-line advertising specialist numa multinacional de tecnologia.

Ana Paula pediu demissão para participar, a partir de segunda-feira, de uma bootcamp (espécie de treinamento intensivo) na área de análise de dados. No entanto, a organização do evento adiou a programação e decidiu organizá-la em formato remoto, em vez de presencial. “Pelo que acompanho nas notícias, o coronavírus tem se espalhado muito rápido por Berlim, e isso assusta um pouco. Até então, eu não estava muito preocupada, pensei ‘é só uma gripe’. Para ser sincera, eu estava ignorando bastante”, admite.

Como estava estudando para a bootcamp, Ana Paula já não estava saindo muito de casa, onde tem passado a maior parte do tempo. Ela notou, entre muitos alemães, grande dose de preocupação com o coronavírus. “Eles estão comprando muito papel higiênico, enlatados, macarrão e produtos que possam durar muito tempo. Eles estão acumulando comida em casa. Aqui, tem muita gente idosa  que não tem família ou alguém por perto que poderia fazer compras para a pessoa no caso de uma quarentena”, diz.

“Temos que tomar cuidado, mas, às vezes, penso que há certo exagero”, diz ela, que tem adotado medidas que já costuma praticar a cada inverno, como tomar vitaminas para fortalecer a imunidade. Ana Paula diz confiar no sistema de saúde alemão para caso tenha alguma necessidade, apesar de achar que a pesquisa nesse ramo no Brasil é bem mais avançada. Berlim, porém, acredita ela, tem uma situação diferente por concentrar instituições como o Instituto Robert-Koch e o Hospital Charité, que são referências na área.

Para Ana Paula, o vírus causa incerteza com relação ao futuro. “O que fica em dúvida é como vai ser daqui para frente. Muitas pessoas usam o feriado da Páscoa, que na Alemanha é bem maior, para viajar. Eu pretendia fazer isso, mas acho que não vou poder. Não sei se as companhias aéreas vão manter os voos”, exemplifica.

Cotidiano
Os supermercados continuam abertos normalmente na Alemanha, mas, como em países próximos, o funcionamento fica suspenso ou passou a ser controlado por horários marcados, as pessoas começam a fazer estoque a fim de se precaver. Em Berlim, muitos supermercados continuam tendo boa oferta de produtos, mas começam a faltar, principalmente itens de limpeza (como álcool em gel, papel higiênico e sabonete) e não perecíveis (exemplo de enlatados e massa de macarrão).

Julia Dócolas tem 37 anos e vive na Alemanha há 11. A moradora de Berlim trabalha na área de RH de uma empresa de tecnologia e conta que, apesar de não ter adotado home office para todos os funcionários, o escritório está esvaziado nos últimos tempos. “A gente recebeu notificação para trabalhar de casa caso faça parte de grupo de risco ou tenha alguém na família com grupo de risco”, diz.

Casada com um alemão e mãe de um menino de 4 anos, ela observa que ainda mais gente deve ficar longe da empresa após o fechamento das escolas e creches a partir da próxima semana. “Eu vou ter que trabalhar de casa porque tenho um filho no jardim de infância.” Ela relata que tem tomado cuidados, como sempre lavar as mãos. Fora isso, por enquanto, tem levado uma rotina normal. “Estou indo almoçar em restaurante e fazendo compras normalmente.”     

Julia percebe, porém, a preocupação que se instalou nos moradores da cidade. “Álcool em gel não tem mais para vender, não para nas prateleiras”, relata. Apesar de alterações no transporte público causarem incerteza, Julia observa que não fará tanta diferença agora que ela passará a trabalhar de casa. “Não sei até que ponto vai me afetar. Falta informação, disseram que vai ser reduzido, mas ainda não se sabe exatamente como.” Com viagem marcada para passar duas semanas no Brasil, Julia pretende manter os planos a fim de visitar a família, pois não está doente.

Precauções

Lucas Oceano Martins, 28 anos, é graduado em sistemas de informação e trabalha como engenheiro de software numa empresa de tecnologia em Berlim. Na capital alemã há seis meses, acompanhado da esposa, ele compreende os motivos por trás da redução no transporte público. “Acredito que vai ajudar o pessoal que trabalha no sistema de transporte. Também será bom se as pessoas fizerem sua parte e evitarem sair de casa”, afirma.

Na visão do profissional de tecnologia, o governo da Alemanha deveria adotar medidas mais rigorosas. “Eu acho que eles podiam ser um pouco mais críticos e ter tomado ações mais severas antes. Na China, mesmo bloqueando as cidades mais afetadas, o vírus se espalhou e cresceu por um bom tempo. Aqui, onde ainda não tem nada em lockdown, talvez fique muito pior”, opina.

Elogia, de qualquer forma, o nível de consciência da população e das empresas. A startup onde ele trabalha, por exemplo, começou a incentivar a lavagem das mãos e o uso de álcool em gel há semanas. “Também aumentou a frequência de higienização de lugares comuns e vamos começar a fazer home office a partir de segunda-feira. Sei de outras empresas que já estão funcionando em home office”, relata. “É legal ver que não precisa o governo falar alguma coisa para a gente começar a tomar ações para prevenir a expansão do vírus”, aponta. Lucas e a esposa têm evitado sair de casa. “Esta semana só saímos para ir ao mercado e trabalhar”, conta.

A família de Lucas no Brasil se preocupa com a situação. “Meus pais estão pedindo para a gente tomar cuidado.” Apesar de adotar precauções, ele diz confiar no sistema de saúde da Alemanha para caso necessite. “Nos seis meses em que estamos aqui, já tivemos que usar hospitais algumas vezes e sempre foi tudo bem tranquilo, apesar da burocracia.”

*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)





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