Correio Braziliense
postado em 21/03/2020 04:34
Pesquisadores alemães conseguiram decifrar uma parte essencial do Sars-Cov-2, que causa a Covid-19. Por meio de uma técnica de análise avançada, eles mapearam a estrutura da molécula que está presente no vírus e é responsável pela replicação dele em organismos. Com base nessas descobertas, a equipe desenvolveu um medicamento para frear o patógeno. O remédio mostrou resultados positivos em testes feitos com ratos e poderá contribuir para o tratamento da pandemia. Os resultados foram publicados ontem, na edição da revista especializada Science.
No estudo, os cientistas ressaltaram que equipes de todo o mundo estão trabalhando duro para desenvolver substâncias ativas contra o Sars-Cov-2. “A análise estrutural das proteínas funcionais do vírus é muito útil para esse objetivo. A função de uma proteína está intimamente relacionada à sua arquitetura 3D. Se essa arquitetura 3D for conhecida, é possível identificar pontos de ataque específicos”, explicaram os autores do artigo, liderados por Linlin Zhang, pesquisadora da Universidade de Lubeck.
Os pesquisadores usaram a cristalografia de raios-X, uma tecnologia refinada que analisa minuciosamente moléculas por meio de radiação eletromagnética. Com esse recurso, eles conseguiram definir a estrutura da principal protease (enzima que decompõe proteínas) do Sars-Cov-2, chamada Mpro ou 3CL. Ela é um dos principais alvos de drogas contra coronavírus por se responsável pela reprodução desses micro-organismos.
Com base no estudo da estrutura da protease, os pesquisadores otimizaram inibidores de coronavírus para desenvolver o composto 13b. A intenção era de que ele funcionasse como um bloqueador da protease principal do Sars-Cov-2. Segundo os cientistas, o 13b é capaz de melhorar a ação de inibidores, prolongando, por exemplo, o tempo útil deles no plasma sanguíneo de pessoas infectadas.
Os investigadores testaram o 13b em camundongos e descobriram que a inalação foi bem tolerada pelas cobaias, que não apresentaram efeitos adversos. “O tempo médio de permanência do 13b foi de 2,7 horas e a meia-vida, de 1,8 hora nos testes com camundongos. Isso é muito benéfico, principalmente pela forma como foi aplicado, pela nebulização, que atinge diretamente os pulmões. A inalação foi bem tolerada e os camundongos não apresentaram efeitos adversos, sugerindo que seria possível a administração direta do composto nos pulmões”, detalharam.
Thiago Fuscaldi, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, também acredita que o trabalho poderá contribuir para esse objetivo, mas ressalta que mais pesquisas são necessárias. “Esse é mais um dos trabalhos que temos visto com foco no desenvolvimento de novas drogas, e essa é uma candidata em potencial, mas os testes ainda são muito iniciais, precisamos saber se os efeitos se repetem em humanos e sem efeitos colaterais”, explicou.
O médico brasileiro também ressaltou que os cientistas deram foco a uma estrutura extremamente importante para a sobrevivência do vírus. “Ele se mantém por causa da replicação de seu RNA, feita por essa protease. Por isso, é importante conhecê-la. Esses dados são essenciais para combater a doença, e acredito que podemos esperar mais pesquisas feitas com esse mesmo objetivo nos próximos dias”, opinou.
"Isso é muito benéfico, principalmente pela forma como foi aplicado, pela nebulização, que atinge diretamente os pulmões”
Trecho do artigo divulgado na revista Science
Palavra de especialista
Grande avanço
“Esse tipo de ciência básica busca descobrir com profundidade quais estruturas do vírus dão a ele uma estabilidade. Esse é um grande avanço, porque, através dessas informações, conseguimos desenhar moléculas que se encaixem nessa estrutura e apostar que elas consigam bloquear essa replicação. Temos ainda que investigar melhor esse mecanismo, entender totalmente como ele se comporta e quais as consequências de bloquear essa proteína. Para chegar aos medicamentos, temos muitas etapas, mas essa descoberta já é algo muito alentador, o entendimento dessa estrutura viral é uma ótima notícia”
David Urbaez, infectologista do Laboratório Exame em Brasília
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