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Coronavírus: corpos empilhados levam o horror às ruas de Guayaquil

Colapso do setor de saúde e do serviço funerário leva moradores da segunda maior cidade do Equador a empilharem corpos nas calçadas e ruas, com medo da Covid-19. Cadáveres são mantidos por até cinco dias dentro das casas. Autoridades preveem mais de 2.500 mortos

Correio Braziliense
postado em 03/04/2020 06:00
População usou carros para transportar mortos até os cemitériosDurante cinco dias, Marcelo Ramírez, 18 anos, chorou próximo ao corpo do tio-avô, morto depois de ser infectado pelo novo coronavírus. No início da tarde de ontem, a camionete branca do Serviço Médico Legal parou diante de sua casa e, enfim, colocou  o idoso em um caixão. O cadáver de Vidal Eriberto Maldonado, 92 anos, foi mantido trancado no quarto desde o falecimento, às 13h (15h em Brasília) do último domingo. O drama enfrentado por Marcelo se repete em várias residências de Guayaquil, cidade portuária de 2,6 milhões de habitantes situada no centro-sul do Equador, a 412km da capital, Quito. Com os serviços funerário e sanitário em colapso e com medo de contágio, moradores empilham os mortos nas ruas. Desde domingo, uma força-tarefa montada pelo Exército e pela polícia removeu 150 cadáveres das residências. Não há dados sobre quantas vítimas da Covid-19 estariam entre esses mortos.
 
As autoridades reconhecem, oficialmente, 3.163 casos da doença no Equador e 120 mortes — 2.243 infecções (70,9%) e 82 óbitos na província de Guayas, cuja capital é Guayaquil. O governo do presidente equatoriano, Lenín Moreno, estima que somente em Guayas o número de falecidos oscilará entre 2.500 e 3.500 nos próximos meses. De acordo com Jorge Wated, porta-voz da Presidência, “falhas no sistema funerário” e o toque de recolher de 15 horas imposto em todo o território nacional atrapalharam a remoção de mortos em residências. Vídeos divulgados nas redes sociais também mostram  doentes amontoados do lado de fora de hospitais superlotados.
 
“As pessoas estão queimando familiares em plena calçada ou nas esquinas. Quando retiravam o corpo do meu tio, uma motocicleta se aproximou dos legistas e um homem perguntou se podiam retirar outro cadáver. Muitas pessoas se cansam de ter um cadáver dentro de casa, por causa do odor, da putrefação e do risco de infecção, e o deixam na rua”, relatou Marcelo ao Correio. De acordo com ele, o governo reconhece cerca de 100 mortos pela Covid-19. “Mas há algo que não se enquadra nessa estatística. Somente aqui em Guayaquil, há entre 200 e 300 mortos por dia.” Além do luto, Marcelo e os avós convivem com o medo da doença. “Comecei a apresentar sintomas. Tenho febre, falta de apetite e tosse com sangue. Tenho medo de morrer. Mas é o temor que leva as pessoas a sucumbirem à Covid-19”, relatou o rapaz.
 
Também moradora de Guayaquil, Estrella Suárez de Franco viu a dengue levar o marido, Franco López Osvaldo, 65 anos, no último domingo. “Foi uma situação muito crítica e tensa. Eu me senti muito impotente. Minha filha sugeriu que colocasse na internet um vídeo para mostrar nosso drama. Hoje (ontem), o Serviço Médico Legal veio e levou o corpo dele. Por ser cristã, queria que ele tivesse uma sepultura, mas as autoridades me disseram que meu marido seria tratado como os outros mortos, como se tivesse Covid-19”, desabafou ao Correio. Desesperada, ela chegou a usar gelo triturado para tentar adiar a decomposição do cadáver.
 
Cloro

Em lágrimas e com sintomas de Covid-19, a estudante Alexandra M., 26 anos, contou à reportagem que o avô, de 65 anos, morreu na quarta-feira sem causa definida. Até o fechamento desta edição, o corpo estava na casa da irmã dele. “Chamamos a polícia para retirá-lo e cremá-lo, insistimos e nada. Depois de entrarmos em contato com o governo, nos falaram que o prazo para a remoção é de 12 dias. Eles cobriram o cadáver com cloro e compraram um caixão ao preço de US$ 900!”, comentou. “Minha tia, em cuja casa está o corpo de meu vovô, é diabética e hipertensa. Minha avó ainda não sabe do falecimento. As funerárias não querem atender aos telefonemas.” Alexandra está isolada por 15 dias por recomendações médicas. “Tive febre, perda de olfato e de paladar — os quais recupero pouco a pouco. Também dificuldade para respirar e dores no peito.”
 
“Estar em casa é uma bênção em Guayaquil.” A mensagem no Twitter foi postada pelo jornalista e ativista de direitos humanos Luis Fernando Lafuente. Ele afirmou que, em 48 horas, houve mais mortes na província de Guayas que em todo o mês de março de 2019. “Há poucos dias, o presidente determinou que se estabeleça um protocolo para que as forças armadas e a polícia façam a retirada de cadáveres. O motivo para que haja tantos casos foi a falta de recursos do governo. Não houve destinação de dinheiro para emergência, o que levou a ministra da Saúde a renunciar”, explicou ao Correio.

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