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Suécia faz aposta arriscada e não impõe nem quarentena nem isolamento

Com foco na confiança, a Suécia não impõe quarentena ou distanciamento social, mantém comércio e escolas em funcionamento, e aconselha cidadãos a ''assumirem sua responsabilidade''. Autoridades rebatem acusações de colocarem a vida da população em xeque

Correio Braziliense
postado em 04/04/2020 07:00
Movimentação intensa na Rua Queens, em Estocolmo, capital da Suécia: na contramão da Europa, a nação mantém a rotina praticamente inalteradaCom um dos sistemas de bem-estar social mais elogiados do mundo, a Suécia contrariou os demais países da Europa e não decretou o distanciamento social como política de governo. Até o fechamento desta edição, o território sueco contabilizava 6.131 casos de novo coronavírus confirmados e 358 mortos; 205 infectados se recuperaram. O governo sueco se limitou a aconselhar aos cidadãos que cada um “assuma a responsabilidade” e obedeça às recomendações das autoridades. Ante críticas de inação contra a Covid-19, a ministra da Saúde, Lena Hallengren, apressou-se em responder à comunidade internacional sobre o fato de que estaria colocando as vida da população em risco. “Não, não é uma situação normal na Suécia”, declarou. Entre os países nórdicos, a Suécia é o mais populoso (10,2 milhões de habitantes) e detém as piores estatísticas de avanço do novo coronavírus — a Noruega tinha 5.370 infectados e 59 óbitos; a Dinamarca, respectivamente 3.757 e 139; a Finlândia, 1.615 e 20. 

As autoridades pediram aos idosos com mais de 70 anos e às pessoas em grupo de risco que evitem contato com outras pessoas; e instituições de ensino superior também receberam a recomendação de ministrar aulas a distância. Entre as medidas econômicas adotadas pelo governo do primeiro-ministro Stefan Löfven, está a redução no custo dos planos de saúde. A ministra das Relações Exteriores sueca, Ann Linde, lembrou que “cada um é responsável por seu próprio bem-estar, dos vizinhos e da comunidade. Isso se aplica em uma situação normal e se aplica em tempos de crise.”

Medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Barcelona (1992), Havana (1996) e Sydney (2000), quando jogava pela seleção da Suécia, o treinador de handebol Magnus Andersson, 53 anos, vive com a família em Halmstad, 488km ao sul de Estocolmo. Ele contou ao Correio que a rotina permanece inalterada no país. “O governo se mantém firme na decisão de não impor quarentena ou declarar estado de emergência. Defende que o sistema de saúde terá capacidade em dar resposta positiva à pandemia se a população mais idosa se resguardar do contágio. Os pessimistas, porém, temem que esteja aberta uma via para o desastre”, disse. “Estou realmente assustado com tudo isso. Nos últimos dias, finalmente o governo decidiu que era proibido visitar os idosos nos asilos. É uma primeira medida, mas, no resto, as crianças seguem indo para a escola.”

Chocado
Andersson se diz chocado ao ver que a Suécia tomou direção contrária à da comunidade internacional. “Há muita gente nas ruas, mas todos mantêm distância de três ou quatro metros, mesmo quando encontram conhecidos param e converam. Pessoalmente, tenho muito respeito pelo novo coronavírus. Lavo as mãos várias vezes e tomo todas as precauções. Quem sabe se o fato de as pessoas não se aproximarem tanto não pode dar certo?”, pergunta. Ele relatou que, na tevê, falam a todo o momento de como se deve controlar a Covid-19 para que muitos não se infectem ao mesmo tempo. “Nesta semana, esperávamos que o governo proibisse deslocamentos no início das férias, mas o governo se limitou a dizer que as pessoas devem ser responsáveis e a ter cuidado com os idosos.”

Morador de Skyrup, 500km ao sul da capital, o professor de ciência política Magnus Ranstorp afirmou ao Correio que as autoridades “acordaram para o problema muito tarde”. “As escolas continuam abertas para alunos do 1º ao 9º ano. O governo se preocupou com o fato de os funcionários dos hospitais não terem onde deixar os filhos, o que levaria a uma perda de 20% da força de trabalho. As autoridades também trabalharam com a suposição de que as pessoas assintomáticas não transmitem o novo coronavírus. Agora, os estudos mostram que não é preciso estar doente para espalhar a doença”, explicou, por telefone. “Eles mantiveram os restaurantes abertos, com algumas restrições. Os clientes precisam permanecer sentados e não têm a autorização de se pendurar no balcão se forem comprar comida. Os bares ainda funcionam, as pessoas ainda vão trabalhar e tentam manter um distanciamento social. Trata-se de uma abordagem radicalmente diferente daquela adotada pela Dinamarca, por exemplo, onde são permitidas reuniões apenas de até 10 pessoas”, acrescentou.

Segundo Ranstorp, há menos pessoas nas ruas das cidades suecas, mas a proximidade do feriado de Páscoa levou muitos cidadãos a se reunirem diante de lojas de bebidas. “As maiores concentrações populares podem ser vistas em Estocolmo. O governo começa a estudar legislações para ampliar as restrições e o fechamento de estabelecimentos”, disse. O recente diagnóstico positivo para o novo coronavírus em um recém-nascido e casos de Covid-19 em asilos ampliaram a pressão sobre o governo. “Acho que temos visto graves erros de cálculo”, disparou Rainstorp.

Eu acho...

“Eu vejo um grande risco na política adotada pela Suécia na abordagem sobre a Covid-19, ao tentar manter pelo menos metade da sociedade em funcionamento. As autoridades também realizam cálculos econômicos. Mas penso que estão preparando para medidas mais restritivas, pois veem que os números de infecções aumentam. Temos mais pessoas doentes do que os nossos vizinhos. O premiê afirmou, ontem (quinta-feira), que haverá milhares de mortos. Uma lembrança de que todo mundo será afetado por isso, inclusive o Brasil. Quanto mais rápido você se preparar e se isolar, melhor, pois salvará muitas vidas.”, Magnus Ranstorp, professor de ciência política em Skyrup, a 500km de Estocolmo.

“Os sogros do meu filho estão com coronavírus, ambos muito mal. Não sabemos se sobreviverão. Estão sob cuidados intensivos, ligados a ventiladores há uma semana. É uma doença cruel. Estive quase três semanas confinado em meu apartamento, no Porto (Portugal), e chocou-me chegar à Suécia e estar tudo normal. As pessoas poderem sair e o governo nada fazer. Elas deveriam ser responsáveis. Fico desapontado quando vou às ruas e vejo idosos indo às compras. O maior problema aqui, nesta geração, é que eles têm dificuldade em pedir ajuda.”, Magnus Andersson, 53 anos, treinador de handebol, morador de Halmstad, a 488km da capital.

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