Mundo

O medo de nova onda de infecções

Organização Mundial da Saúde adverte sobre o risco de um "retorno mortal" do novo coronavírus, em caso de suspensão rápida das restrições de distanciamento social. EUA registram 2.108 óbitos em um único dia

Correio Braziliense
postado em 11/04/2020 04:04
Com mais de 1,6 milhão de infectados em todo o mundo, países tentam se antecipar ao colapso do sistema hospitalar: em Mumbai, na Índia, um ginásio receberá vários pacientes


Enfermeira do Hospital Mount Sinai West, na Ilha de Manhattan, Diana Torres interrompeu a vigília em memória do colega Kious Kelly para falar ao Correio. Kious morreu na noite de 24 de março, após ser exposto ao novo coronavírus por um dos primeiros pacientes a dar entrada no hospital, e engrossou as estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ontem, o número de mortos pela Covid-19 chegou a 102.525 — 18.637 nos Estados Unidos, dos quais 5.820 na cidade de Nova York. O país se tornou o primeiro a registrar mais de 2 mil óbitos em 24 horas: foram 2.108 entre quinta-feira e ontem.  “É como estar em um filme de terror. Nunca me imaginei em uma situação assim”, lamentou Torres, 33 anos, que convive diariamente com o risco de infecção. Um pesadelo que pode estar longe do fim, caso os governos afrouxem repentinamente as medidas de distanciamento social, advertiu a OMS. 

“Sei que alguns países já estão preparando a transição para abandonar as restrições de confinamento. Como todo o mundo, a OMS quer que as restrições sejam levantadas. Ao mesmo tempo, suspender as restrições muito rapidamente pode levar a um rebote mortal”, disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Ele adverte que “o refluxo (da pandemia) pode ser tão perigoso quanto a sua propagação, se não for administrado adequadamente”.

Antes da suspensão progressiva das medidas de contenção, a OMS consulta as nações afetadas pela pandemia sobre o atendimento a seis condições expressas (veja o quadro). A Itália, país com maior número de mortes (18.849), estendeu o distanciamento social por quase um mês, até 3 de maio. “Prorrogamos as medidas restritivas até 3 de maio, uma decisão difícil, mas necessária, cuja responsabilidade política assumo totalmente”, declarou. Na Espanha, a notícia alentadora da cifra diária mais baixa de mortes desde 24 de março (605 óbitos), levou o país a reabrir parte das fábricas na segunda-feira, uma decisão controversa. No entanto, as aglomerações seguirão proibidas. “Continuamos com a tendência descendente”, celebrou a médica María José Sierra, do centro de emergências sanitárias, citada pela agência France-Presse.

“Se a quarentena for interrompida agora, serão muito mais mortes, e tudo ficará pior... Nunca tivemos controle da pandemia, e ela segue fora de controle. Por isso, muitas pessoas morreram”, disse a enfermeira nova-iorquina. Mais da metade da população mundial segue confinada, e a doença se alastra por 185 países, com impactos humanos e econômicos — o Fundo Monetário Internacional espera a pior recessão desde a Grande Depressão de 1929.





Cadáveres 

Nova York, o epicentro da epidemia nos Estados Unidos, começou ontem a enterrar os mortos pela Covid-19 não reclamados por familiares em valas coletivas da Ilha Hart, no Bronx. Há um século e meio, as autoridades nova-iorquinas utilizam a ilha para sepultar corpos de indigentes ou de cidadãos impossibilidades de pagar por um enterro. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, anunciou que o estado precisa com urgência da ajuda de Washington para produzir pelo menos 30 milhões de testes de diagnóstico e de anticorpos para toda a população.”Precisamos de uma mobilização sem precedentes, na qual o governo possa produzir esses testes aos milhões”, insistiu. Depois de ameaçar romper o financiamento da OMS, o presidente Donald Trump avisou que fará um pronunciamento sobre o tema na próxima semana. “Como vocês sabem, damos cerca de US$ 500 milhões por ano e vamos falar sobre isso na próxima semana.”

O temor dos países afetados pela Covid-19 diz respeito ao colapso do sistema hospitalar. Com 11.917 casos de contágio e 94 mortos, a Rússia alerta que a saturação dos hospitais de Moscou se aproxima. O presidente russo, Vladimir Putin, disse que falará com Trump para costurar uma cooperação na luta contra a pandemia.



Três perguntas para

Lawrence Gostin, professor de medicina da Universidade Johns Hopkins e da Universidade Georgetown, e diretor do Centro de Colaboração sobre Direito à Saúde Global e Nacional da Organização Mundialda Saúde (OMS)


O presidente Donald Trump ameaçou cortar o financiamento da OMS. Como o senhor vê essa atitude?
A ameaça velada do presidente Trump de cortar as verbas da OMS é embaraçosa. A OMS seguiu práticas de saúde pública baseadas em evidências e suas recomendações estavam de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional, o qual os EUA assinaram e têm a obrigação de seguir.


O senhor acredita que a OMS errou ao centrar atenção na China e se esquecer de outros países?
A OMS é uma organização internacional e todas as nações têm apenas um voto na Assembleia Mundial de Saúde. Os EUA são um grande financiador, mas não têm o direito de esperar um tratamento especial. A OMS concentrou atenção na China porque foi onde a Covid-19 se originou.


Como vê o aumento de infecções e de mortes nos EUA?
Os EUA não estavam bem preparados e, como resultado disso, este país se tornou o epicentro global da pandemia. (RC)



Relato do front
“O novo coronavírus é muito, muito contagioso. Talvez um dos vírus com mais potencial de transmissão. É diferente de qualquer outro. O paciente infectado por ele apresenta todos os tipos de sintomas. Parece como se 100 doenças estivessem reunidas em uma só. Nós, trabalhadores da saúde, não fomos protegidos desde o início da pandemia e expusemos nossas famílias, amigos e colegas. Nos hospitais, temos exposto nossos pacientes que não estão com a Covid-19. Tem sido um desastre.”
Diana Torres, enfermeira do Hospital Mount Sinai West, em Nova York



Passo a passo 

Medidas recomendadas pela OMS para a suspensão da quarentena

• Controle da transmissão do novo coronavírus;

• Garantia de disponibilidade de assistência e saúde pública;

• Redução do risco em ambientes expostos, como unidades de saúde permanentes;

•  Implementação de medidas preventivas no trabalho, nas escolas e em outros locais de grande frequência;

• Controle do risco de casos importados;

• Responsabilização da população.
 
 
 
 
 


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