Mundo

Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 18/04/2020 04:05
 
A nova ordem pós-pandemia
 
Não serão apenas os cidadãos, na escala individual e familiar, a recompor os planos de vida e a rotina cotidiana no mundo novo que emergirá da tempestade representada pela Covid-19. Também os governos, em escala planetária, terão de rever e reformular projetos e políticas para encarar a tarefa da reconstrução. Não à toa, o impacto profundo da pandemia tem sido insistentemente comparado ao da 2ª Guerra Mundial, que moldou a segunda metade do século passado. Sem deixar o rastro de destruição física deixado pelo conflito de 1939-1945, em especial na Europa, o coronavírus desenha cicatrizes nas mais distintas esferas da vida social — e, desta vez, nenhum país escapará das consequências.
 
As incertezas se desenham desde logo na economia, estampadas nos índices exibidos pelas duas maiores potências mundiais. Na primeira delas, os Estados Unidos, mais de 20 milhões de trabalhadores deram entrada em pedidos de seguro-desemprego no intervalo de três semanas, algo nunca visto na história do país desde a Grande Depressão provocada pela crise de 1929. Na China, que vinha se desempenhando como a locomotiva global e projetava para o século 21 a ascensão ao posto principal, o PIB do primeiro trimestre fechou com queda de quase 7% sobre o período correspondente de 2019.
 
Com a Europa igualmente abatida, e imersa nos impasses de seu processo de integração, países emergentes, como o Brasil, sairão da quarentena tendo pela frente um cenário obscuro. Diferentemente de 1945, quando os EUA emergiram claramente como a nova âncora do sistema internacional, tendo a União Soviética como contraponto e contraparte, o mundo de 2021 se prenuncia como um território em que o lema predominante será o “cada um por si”.

Qual dos dois?

O dilema é especialmente desafiador para o Brasil de Jair Bolsonaro, apanhado pela pandemia quando iniciava o segundo ano de mandato com horizonte favorável na política externa e prognóstico otimista para a economia. Na vizinhança imediata, a América do Sul encerrou 2019 com a guinada à direita praticamente concluída — a exceção por conta da Argentina, sob governo peronista, porém “cercada” no âmbito do Mercosul. Nesse quadro, a opção declarada pelo alinhamento diplomático a Washington parecia ter caminho livre à frente.
 
O tombo sofrido pelo novo aliado preferencial se soma à marcha à ré engatada no principal parceiro de comércio, destino prioritário das exportações brasileiras. Para complicar um pouco mais o quadro, a estratégia de privilegiar Washington sem fechar as portas para Pequim parece sujeita no mínimo a uma revisão. Ao menos no futuro próximo, o que se insinua é um período de disputa direta e frontal entre as potências que hegemonizam a ordem global. O presidente e o chanceler Ernesto Araújo podem se ver diante da imposição de tomar o lado de uma ou outra.

Sorte lançada

O enigma é particularmente desafiador no que diz respeito a Donald Trump. No caso, inclusive no que diz respeito ao enfrentamento do coronavírus. Ainda em fevereiro, antes que a doença mostrasse os primeiros sinais evidentes no Brasil, Bolsonaro foi ao encontro do parceiro, na Flórida. Além dos habituais elogios recíprocos, os dois governantes trocaram também demonstrações de desprezo pelas medidas de distanciamento e isolamento social – que ambos condenavam, então, com igual intensidade, a mesma com a qual apontavam o dedo para a China como “berço” do vírus.
 
A expansão fulminante da doença nos EUA, porém, obrigou Trump a reformular sua abordagem, ainda que fosse apenas por cálculo político. Ainda com o país em quarentena, a oposição democrata definiu o ex-vice-presidente Joe Biden como o candidato a desafiar o presidente na eleição de novembro. O segundo mandato do bilionário republicano na Casa Branca, dado como praticamente certo na virada do ano, parece agora pendente de duas variáveis cruciais: o saldo humano da Covid-19 e o seu impacto na economia.

Pior que o Brexit

Se EUA e China tiram o sono dos estrategistas externos do Brasil, pelo peso específico de cada um nas relações bilaterais, a União Europeia dá dores de cabeça no âmbito do Mercosul. Foi com o bloco do Velho Continente que o consórcio sul-americano concluiu, no ano passado, seu mais ambicioso acordo de livre-comércio. O processo esbarrava nas resistências do governo peronista argentino, que ensaiava sustar a ratificação, e nas reticências do outro lado do Atlântico, em particular do presidente francês, Emmanuel Macron. Como complicador adicional, a UE lidava com as incógnitas decorrentes da saída do Reino Unido, consumada em 31 de janeiro — cerca de um mês antes de a OMS declarar oficialmente a pandemia.
 
O combate à Covid-19 se sobrepôs aos impasses do pós-Brexit e acirrou as diferenças entre os “primos ricos”, como Alemanha e França, e os “primos pobres”, em especial a Itália, o país mais atingido pela doença no continente, seguido pela Espanha. Mais até que o afastamento de Londres, o combate ao coronavírus passou a ser visto em diferentes campos políticos europeus como risco efetivo para a sobrevivência do bloco. 
 
 
 

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