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Desastre anunciado

Especialistas acusam o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ignorar advertências sobre a pandemia e de levar tempo demais para anunciar medidas de mitigação. The Washington Post diz que o republicano foi alertado por funcionários na OMS

Correio Braziliense
postado em 20/04/2020 04:35
Especialistas acusam o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ignorar advertências sobre a pandemia e de levar tempo demais para anunciar medidas de mitigação. The Washington Post diz que o republicano foi alertado por funcionários na OMS


Os números dão a real dimensão da tragédia: até as 22h de ontem (hora de Brasília), os Estados Unidos contabilizavam 759.118 casos de infecção pelo novo coronavírus e 40.665 mortes — 14.451 delas na cidade de Nova York. Entre sábado e ontem, 1.997 norte-americanos perderam a vida para a Covid-19. Para especialistas, a responsabilidade pelo desastre anunciado deve ser creditada à inação do presidente Donald Trump e, em menor medida, aos governadores estaduais. Enquanto mais de mil norte-americanos morrem todos os dias em meio à pandemia, os dois lados travam um conflito sobre um possível levantamento gradual das medidas de confinamento. Na última sexta-feira, Trump chegou a usar o próprio perfil no Twitter para incitar uma rebelião contra os governadores. “Liberem Minnesota! Liberem Michigan! Liberem Virgínia!”, escreveu, em letras maiúsculas. O governador do estado de Nova  York, Andrew Cuomo, posicionou-se contra a flexibilização da quarentena. “Nós podemos controlar a besta. Sim, mas a besta está viva. Não matamos a besta — e ela pode se levantar novamente”, comentou.

Especialista em história política pela American University, em Washington, Allan Lichtman afirmou ao Correio que Trump levou tempo demais para responder ao novo coronavírus e mitigar os efeitos da doença na sociedade. “Em janeiro passado, ele alertou, urgente e repetidamente, sobre a pandemia. No entanto, não tomou nenhuma ação até março. Em vez disso, jogou golfe por seis vezes e participou de oito comícios políticos”, ironizou. “Mesmo durante a transição presidencial de 2016, autoridades do governo do democrata Barack Obama advertiram a equipe de Trump sobre a probabilidade de uma grave pandemia e sobre a necessidade de preparação. Em vez de atender a esse alerta, o republicano reduziu os preparativos do setor de saúde pública.”



Lichtman aponta uma “imensa negligência criminosa, que custou vidas americanas”. “As razões para isso provavelmente se relacionam à preocupação de Trump apenas consigo mesmo, sua falta de empatia pelo próximo, sua desconfiança em relação ao próprio governo, sua incompetência e preguiça, sua nomeação de bajuladores incompetentes e sua obsessão com a reeleição”, afirmou. O estudioso lembra que Trump culpou a China, a Organização Mundial de Saúde (OMS), Obama, os democratas e até a imprensa, além dos governadores, pelo fato de a pandemia atingir tão duramente o país. “Sem dúvida, os governadores estaduais poderiam ter feito mais, em termos de preparativos para a pandemia. No entanto, a maior parte da culpa recai sobre o presidente”, acrescentou Lichtman, para quem os EUA levarão muitos meses para retornarem ao semblante de normalidade. “E esse normal pós-pandemia será diferente do que era antes”, acredita.

Economia

Por sua vez, Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale (em New Haven, Connecticut), disse à reportagem que Trump não levou a sério as opiniões de especialistas sobre a gravidade da pandemia. Ele prevê dificuldades para o republicano em consertar a economia, seriamente afetada pelas consequências da Covid-19. “Por causa da recusa em aumentar os impostos sobre os ricos, será impossível levantar receitas suficientes para responder de forma responsável aos deficits orçamentários sem precedentes que serão gerados durante os próximos dois anos de desemprego em massa e a interrupção das relações comerciais no exterior”, aposta.

O jornal The Washington Post publicou, ontem, que mais de uma dezena de cientistas americanos trabalhava no quartel-general da OMS, em Genebra, quando o novo coronavírus surgiu, no ano passado. Eles teriam transmitido à Casa Branca informações em tempo real sobre a descoberta do micro-organismo e sua disseminação na China. Trump acusa Pequim de omitir informações reais sobre o número de chineses mortos pela Covid-19 e advertiu que a China poderia enfrentar “consequências, se foi totalmente responsável” pela propagação do novo coronavírus. Os EUA suspeitam que a doença surgiu de um laboratório de biotecnologia situado em Wuhan, foco da pandemia, na província de Hubei.

A fatura da inércia presidencial a uma ameaça global começou a chegar. Uma pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Gallup revela que a taxa de desaprovação do governo Trump aumentou de 49%, em março, para 54%. No mês passado, 49% dos norte-americanos apoiavam a gestão do republicano à frente da Casa Branca. Agora, o índice caiu para 45%.


Pontos de vista


Por Allan Lichtman

Peso sobre Washington
“Somente o governo federal tem os recursos e autoridade para produzir e coordenar a distribuição de equipamentos de proteção vitais aos profissionais do setor de saúde, além de testes de diagnóstico e materiais médicos. Somente o governo federal pode organizar uma estratégia nacional coordenada. Somente o presidente tem o púlpito para falar a todos os americanos.”

Especialista em história política pela American University (em Washington)



Por Bruce Ackerman

Fator para a crise
“A recusa de Trump em levar a sério as opiniões de especialistas e instituir graves medidas em fevereiro foi um fator crucial para a atual crise. Ainda hoje, sua desconfiança em relação à burocracia impossibilita, de maneira eficaz, a geração de um plano sistemático de assistência federal aos governos estaduais que enfrentam problemas regionais específicos.”

Professor de direito da Universidade de Yale (em New Haven, Connecticut)



Conselho “milenar”
Com mais de 4,5 bilhões de pessoas confinadas em 101 países e com algumas nações ensaiando o fim gradual da quarentena, o Egito encontrou uma forma criativa de atrair a atenção do planeta para o perigo da pandemia de Covid-19. Na noite de sábado, luzes a laser iluminaram as Grandes Pirâmides de Gizé, no Cairo, com a mensagem “Fiquem em casa”, em inglês. Até o fechamento desta edição, o Egito tinha 3.144 infectados pelo novo coronavírus e registrava 239 mortes.



Protesto com distanciamento
No centro de uma grave crise política e em meio ao impasse de formação do governo, cerca de 2 mil israelenses participaram, ontem, em Tel Aviv, de uma manifestação contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. O protesto, intitulado “Bandeira negra”, teve uma característica curiosa: para reduzir o risco de contágio do novo coronavírus, os participantes mantiveram distância uns dos outros. O ato repudiou medidas consideradas antidemocráticas de Netanyahu, 
como o rastreamento de telefones de civis.



“Livre” do coronavírus
Uma das últimas nações a não declarar casos de coronavírus, a ex-república soviética do Turcomenistão reiniciou sua temporada de futebol depois da suspensão para evitar a propagação da pandemia. Cerca de 300 pessoas se reuniram em um estádio com capacidade para 20 mil para assistir ao clássico entre os dois clubes da capital, Asjabad: o FK Altyn Asyr, atual campeão nacional, e o Köpetdag, que lidera o campeonato. O presidente do país, Gurbangouly Berdymoukhammedov, proibiu o uso da palavra “coronavírus”.



Reforço cubano
Médicos cubanos posam para foto com a bandeira do país após desembarcarem no Aeroporto Ramón Villeda Morales, em San Pedro Sula, cidade de Honduras. Uma brigada de 20 profissionais de saúde trabalhará em hospitais saturados com pacientes infectados pelo novo coronavírus. O governo hondurenho ampliou o toque de recolher para forçar a população a adotar o isolamento social. Até ontem, Honduras contabilizava 472 mortes e 46 mortes. A curva pandêmica do país está em ascensão.
 
 

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