A infecção pelo Sars-Cov-2 também pode causar complicações ao cérebro. É o que suspeitam pesquisadores brasileiros após resultado de um estudo feito em parceria com cientistas canadenses. Os investigadores analisaram um banco de dados médicos de outros coronavírus e, com base nas observações, apontam que existem chances de o patógeno responsável pela Covid-19 afetar também o sistema nervoso central (SNC). As impressões foram reunidas em um artigo publicado ontem, na última edição da revista Trends in Neurosciences.
“Alterações neurológicas e da imagem cerebral, incluindo encefalite, foram descritas em pacientes com Covid-19”, detalhou Fernanda Tovar-Moll, diretora-presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), ao site da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “As descobertas emergentes indicam que, além do sistema respiratório, outros sistemas, incluindo o SNC, podem ser afetados em pacientes com Covid-19”, reforçou, também ao site, Jorge Moll, médico e presidente do conselho do Idor.
Os cientistas ressaltam que os dados são importantes porque ajudam autoridades e profissionais da saúde a se prepararem para danos futuros da atual crise de saúde. “Dada a dimensão global da pandemia atual, destacamos a necessidade de considerar agora os possíveis impactos a longo prazo da Covid-19 no cérebro”, destacou Douglas Munoz, pesquisador da Queen’s University, no Canadá, e um dos autores do estudo.
A equipe enfatiza ainda a possibilidade de participação do novo coronavírus no desenvolvimento de doenças neurológicas. “Ressaltamos a importância de acompanhar os pacientes de Covid-19 nos próximos anos, pois a infecção pode favorecer ou aumentar a suscetibilidade ao desenvolvimento de Alzheimer e outros distúrbios neurodegenerativos ou neurológicos”, ressaltou Fernanda de Felice, professora-associada do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, também ao site da universidade brasileira.
Para chegar às conclusões, a equipe reuniu um grande número de informações coletadas durante décadas em estudos sobre micro-organismos da família do Sars-Cov-2 e de outros vírus. “Os coronavírus são os maiores grupo de vírus que causam problemas respiratórios e infecções gastrointestinais e foram responsáveis por três pandemias nos últimos 18 anos: a de Sars em 2002/2003, a da Mers, em 2012 e, a atual, da Covid-19”, enfatizaram no artigo.
Segundo eles, o trabalho com base em micro-organismos semelhantes podem ajudar a aprofundar o entendimento sobre os efeitos do novo coronavírus no cérebro. “Os estudos sobre invasão do SNC por outros vírus, incluindo o vírus do Nilo Ocidental, da zika e da herpes simples, podem fornecer orientações sobre as principais áreas de investigação, com o objetivo de esclarecer se e como o Sars-Cov- 2 afeta o sistema nervoso central”, justificou Sérgio Ferreira, professor titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), da UFRJ, e também autor do estudo.
Incentivo à ciência
Na mesma linha de valorização da contribuição científica para o combate da pandemia, o editor da Science Advances, Ali Shilatifard, destacou, ontem, em um artigo opinativo na revista americana, a importância do apoio contínuo à pesquisa. “Essa catástrofe deve ser vista como um lembrete de que um investimento saudável em todos os institutos salvará vidas quando surgirem futuras pandemias”, escreveu o também presidente do Departamento de Bioquímica e Genética Molecular da Universidade de Northwestern.
Ali Shilatifard lembrou que pesquisadores têm trabalhado para desenvolver terapias antivirais e tratamentos adicionais para casos graves de Covid-19 usando como base um amplo conhecimento adquirido sobre a replicação viral do RNA. Segundo ele, essas informações são fruto de pesquisas de imunologia molecular, uma área de investigação médica que precisa ser fortalecida. “Com essas contribuições e muitas outras, a pesquisa básica será uma força orientadora para ajudar o mundo a se curar desse novo coronavírus e a se preparar para as pandemias que estão por vir”, defendeu.
"Ressaltamos a importância de acompanhar os pacientes de Covid-19 nos próximos anos, pois a infecção
pode favorecer ou aumentar a suscetibilidade ao desenvolvimento de Alzheimer e outros distúrbios neurodegenerativos ou neurológicos"
Fernanda de Felice, professora-associada do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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