Bolsonarismo purossangue?
Jamais passaria em banco, entre aqueles que acompanham “de fora” o cenário político brasileiro, a demissão do outrora superministro Sergio Moro. Tanto mais pela coreografia, que esboça um rompimento político com o presidente, a saída do ministro da Justiça é vista como um marco na evolução do governo Bolsonaro.
O desafio, para os que pensam e planejam política externa, entre os sócios e parceiros do Brasil, é enxergar o quanto antes os rumos contemplados no Planalto. E no Itamaraty. Estudando no microscópio as entrelinhas de discurso, e observando movimentos como a recente demissão do ministro da Saúde, alguns dos que analisam o país começam a tatear as trilhas do que poderia representar a consolidação de uma espécie de “bolsonarismo purossangue”.
Chiclete com banana
Especialmente no espectro europeu, preocupa às cabeças pensantes da diplomacia a ideia de uma hipertrofia daquele que é visto como um núcleo populista de direita no governo brasileiro. Entre os traços distintivos dessa ala do bolsonarismo, desponta a opção pelo alinhamento preferencial, quase incondicional, com as posições de Washington.
No inventário de seus desencontros com o presidente, o agora ex-ministro da Justiça tomou publicamente o partido do então titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na fratura exposta com Bolsonaro em torno do combate à Covid 19. O desprezo ao risco representado pela pandemia e o foco prioritário no relançamento da economia são coincidências explícitas entre Bolsonaro e o aliado e amigo Donald Trump.
“Globalismo” na mira
Não escapou à atenção dos círculos diplomáticos o voto contrário do Brasil, na ONU, à resolução, aprovada por ampla maioria, destinada a fortalecer a cooperação global contra o coronavírus. O centro de gravidade desse esforço é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Coincidência ou não, Trump vem de suspender os pagamentos dos EUA à OMS, à qual acusa de ter “falhado” na detecção da pandemia.
Os presidentes americano e brasileiro estão entre os que mais resistiram a adotar os procedimentos de prevenção recomendados pela agência sanitária da ONU. A começar pelas medidas de distanciamento e isolamento social.
Comunavírus
Estupor é a palavra que traduz a reação, entre diplomatas familiarizados com o Brasil, ao texto no qual o chanceler Ernesto Araujo define a abordagem multilateral da pandemia do coronavírus como antessala para o que chama de “sistema comunista planetário”. Embora o artigo tenha sido publicado em blog pessoal, é assinado pelo chefe da diplomacia brasileira. Expressa os seus pontos de vista, sem qualquer tipo de constrangimento ligado ao exercício do cargo.
Fica em segundo plano, para esses observadores, a questionável opção política por abrir uma frente de atrito justamente com uma organização mundial capacitada a ajudar os esforços do país para adquirir equipamentos médicos, objeto de concorrência quase selvagem no mercado internacional. O sistema multilateral, pondera um experiente diplomata brasileiro, é o terreno favorável para aqueles que sabem não ter chances em uma competição na base do “quem pode mais chora menos”.
O que deixa pasmos os emissários externos é o enredo tecido pelo chanceler. A comparação entre as políticas de quarentena e os campos de concentração, como parte de um complô totalitário comunista conduzido pela OMS, é vista como expressão de um entendimento nebuloso da situação mundial.
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