Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 04:11
A Covid-19 fez o mundo parar. Mesmo que em níveis diferentes, as pessoas são afetadas pelos efeitos do novo coronavírus. Enquanto a sociedade enfrenta esse enorme desafio, especialistas alertam que há a possibilidade de outras pandemias tão delicadas quanto a atual surgirem. E as relações desarmoniosas entre o homem e o meio ambiente, da caça predatória às mudanças climáticas, podem ser o gatilho para isso.
Em um estudo publicado na revista especializada Proceedings of the Royal Society B., cientistas americanos mostram, por meio de uma análise minuciosa, como a proximidade entre animais selvagens e humanos pode fazer com que surjam mais doenças infecciosas.
Uma das justificativas do grupo é que a caça, a degradação de áreas verdes para urbanização e pecuária e outras atividades do tipo aumentam o risco de propagação de vírus. “A exploração da vida selvagem, por meio da caça, da captura e do comércio, por exemplo, normalmente envolve um contato muito próximo, o que facilita a transmissão da doença às pessoas”, destaca ao Correio Pranav Pandit, pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia e um dos autores do estudo.
Pandit e sua equipe reuniram um grande conjunto de dados sobre 142 vírus que são transmitidos de animais para humanos e sobre as espécies que foram implicadas como potenciais hospedeiros. Usando a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, eles também examinaram padrões na abundância dos bichos, riscos de extinção e causas subjacentes ao declínio.
Nas análises, os investigadores observaram tendências claras no risco de transmissão zoonótica — de patógenos de animais para humanos. Identificaram, por exemplo, que animais domesticados, incluindo o gado, têm compartilhado o maior número de vírus, com oito vezes mais micro-organismos zoonóticos em comparação a espécies de mamíferos selvagens. “Provavelmente, isso é resultado das nossas frequentes interações estreitas com essas espécies há séculos”, cogita o autor.
Os animais selvagens que aumentaram em abundância e se adaptaram bem a ambientes dominados por humanos compartilham mais vírus, enfatiza Pranav Pandit. “Isso inclui algumas espécies de roedores, morcegos e primatas que vivem perto das casas e em torno de nossas fazendas (…) Os morcegos têm sido repetidamente implicados como fonte de patógenos de alto risco, incluindo a síndrome respiratória aguda grave (Sars), o vírus Nipah, o vírus Marburg e o ebola vírus”, ilustra.
Coordenador do Laboratório de Climatologia e Geografia da Universidade de Brasília (UnB), Rafael Rodrigues da Franca explica que a proximidade causa mudanças no organismo desses bichos. “A medida que os ecossistemas sofrem efeitos nocivos, vamos nos aproximando mais deles, e eles vão ficando com medo. Com isso, o sistema imune dos animais enfraquece, e aumenta o risco de transmissão de doenças”, detalha
Perda de habitat
No outro extremo, estão espécies ameaçadas cujo declínio da população está relacionado à caça, ao comércio de animais selvagens e à diminuição da qualidade do habitat. “Nossos dados mostram que as espécies classificadas como ameaçadas devido à perda e à exploração de habitat apresentam duas vezes mais risco de terem vírus zoonóticos do que outras categorias em risco”, explica o autor.
Para a equipe de cientistas, os dados obtidos no estudo podem ajudar a mudar a forma como humanos interagem com os animais. “Precisamos entender o impacto que causamos ao interagir com a vida selvagem, perceber que o surgimento de enfermidades é uma questão ambiental e encontrar maneiras mais sustentáveis de coexistência”, defende Pranav Pandit.
No caso do Brasil, o cientista acredita que, devido à grande quantidade de diversidade de espécies, as preocupações devem ser ainda maiores. “É um país tão grande e com grande biodiversidade que também apresenta habitats altamente mutáveis. Sabe-se que vários possíveis vírus emergentes representam ameaças à saúde pública no Brasil, incluindo flavivírus (causador de zika, dengue e febre amarela), arenavírus (da febre hemorrágica) e o mais recente Sars-Cov-2. Desenvolver a capacidade local de vigilância de animais e pessoas é fundamental para países como o Brasil”, afirma.
"Precisamos entender o impacto que causamos ao interagir com a vida selvagem, perceber que o surgimento de enfermidades é uma questão ambiental e encontrar maneiras mais sustentáveis de coexistência”
Pranav Pandit, pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia
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