Correio Braziliense
postado em 02/05/2020 04:14
Pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade de Harvard, publicaram na edição de maio do Faseb Journal a mais abrangente revisão sobre as experiências científicas e clínicas com os medicamentos cloroquina e hidroxicloroquina — indicados contra malária, artrite reumatoide e lúpus — no combate à Covid-19. Relatos de casos e pequenos estudos recentes sugerem que esses medicamentos podem ser eficazes contra o vírus Sars-CoV-2. Porém, o artigo descreve o crescente ceticismo em relação à adoção das substâncias contra a infecção respiratória causada pelo micro-organismo.
“Quando entrei, há algumas semanas, nas UTIs do Hospital Geral de Massachusetts como médico infectologista, ficou evidente, para mim e para meus colegas, que havia riscos e benefícios do amplo uso inicial da hidroxicloroquina no contexto da Infecção por Covid-19”, diz o principal autor da revisão, Mark Poznansky, professor-associado da Harvard Medical School e diretor do Centro de Vacinas e Imunoterapia da Divisão de Doenças Infecciosas do Hospital Geral de Massachusetts. “Optamos por mergulhar nesse importante assunto”, continua.
Segundo o médico, além de confirmar os efeitos colaterais cardiovasculares conhecidos dessas drogas, o objetivo do estudo foi revelar as atividades modulatórias antivirais e imunológicas da hidroxicloroquina que podem ajudar ou prejudicar a resposta de um paciente ao vírus. Para isso, ele revisou relatórios de pacientes tratados com o composto e os ensaios clínicos que aumentaram um otimismo considerável sobre a adoção dessa terapia.
No entanto, os autores apresentam razões para a falha da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate à Covid-19. Segundo eles, o raio de otimismo inicial ignorou algo preocupante: a poderosa ação imunossupressora desses medicamentos, que é a base de seu sucesso no tratamento de artrite reumatoide e lúpus.
Os pesquisadores supõem que os medicamentos inibem reações imunes inatas, críticas à defesa contra o vírus, bem como a geração de imunidade adaptativa mediada por células, também necessária para controlar um micro-organismo como o Sars-CoV-2.
Os autores enfatizam a necessidade de cautela na utilização de terapias envolvendo esses dois medicamentos com base apenas em dados de estudos com células cultivadas em laboratório — em oposição a estudos em pacientes. Eles relatam que os resultados atuais dos ensaios clínicos estão levando a uma visão rapidamente decrescente da utilidade dessas substâncias para a Covid-19.
Promissor
Enquanto a cloroquina e a hidroxicloroquina estão caindo em descrédito no combate efetivo à Covid-19, pesquisadores franceses afirmaram que mais um medicamento já existente foi bem-sucedido no tratamento da tempestade de citocinas, nome que se dá à reação superinflamatória do organismo que origina os sintomas graves da doença. Um estudo ainda não publicado mostrou que o imunomodulador tocilizumabe reduziu a proporção de pacientes que tiveram de ser transferidos para a unidade de terapia intensiva (UTI) ou que morreram, em comparação àqueles que receberam o tratamento padrão no Hospital de Paris. Os resultados preliminares foram divulgados pela agência France-Presse.
É o primeiro estudo comparativo randomizado (com grupo de controle) que demonstra um benefício clínico do tratamento em pacientes com Covid-19 que sofrem de infecção grave, disseram os autores. Os resultados, porém, ainda precisam ser “consolidados” e serão publicados em uma revista científica em algumas semanas. Os autores explicaram que decidiram divulgá-los agora “por razões de saúde pública”, devido ao contexto da crise pandêmica, e comunicá-los às autoridades sanitárias francesas e à Organização Mundial da Saúde (OMS).
O tocilizumabe (Actemra ou RoActemra), do laboratório Roche, pertence à família de anticorpos monoclonais — criados em laboratório —, derivados de uma única cepa de linfócitos e concebidos para responder a um alvo específico. Geralmente usado no tratamento da artrite reumatoide, funciona bloqueando o receptor de uma proteína do sistema imunológico que desempenha um papel importante no processo inflamatório.
Reação imune
Alguns pacientes com o novo coronavírus sofrem um agravamento repentino de sua condição após vários dias, causando desconforto respiratório agudo. O fenômeno está, provavelmente, ligado a uma reação imune excessiva do corpo. Ao todo, 129 pessoas hospitalizadas em 13 hospitais foram incluídas no estudo: pacientes com Covid-19 sofrendo uma pneumonia “de moderada a grave” e que precisaram de assistência com oxigênio.
Esse perfil corresponde a “apenas 5% a 10% dos pacientes infectados” pelo coronavírus, mas eles estão entre os que correm maior risco de serem submetidos à respiração artificial, ou à morte, disse Xavier Mariette, copesquisador coordenador do estudo, durante uma teleconferência.
Metade dos participantes recebeu uma ou duas injeções de tocilizumabe, além do tratamento padrão (oxigênio, antibióticos e anticoagulantes). A outra metade recebeu apenas tratamento padrão. Eles foram acompanhados por 14 dias para obter esses resultados intermediários, um acompanhamento que continuará, a fim de confirmar as conclusões. Nessa fase, os pesquisadores não observaram mais efeitos colaterais indesejáveis nos pacientes que receberam o imunomodulador do que naqueles que receberam o tratamento padrão, ressaltou Mariette.
Vacina contra Mers
Pela primeira vez, foi demonstrado que uma vacina de dose única protege macacos rhesus da infecção pelo coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV), vírus que passa de camelos dromedários para humanos e mata mais de um terço dos infectados. O soro extraído do sangue dos primatas também neutralizou seis cepas de Mers-CoV da África e do Oriente Médio, e a vacina demostrou proteger camundongos transgênicos de todas as variações. O Mers-CoV é um dos três coronavírus que emergiram com a capacidade de infectar seres humanos nos últimos 18 anos, aparecendo pela primeira vez em 2012 e se espalhando pela Península Arábica, África e outras partes do Oriente Médio. Assim como no Sars-CoV-2, causador da Covid-19, as manifestações clínicas da infecção variam amplamente, desde efeitos não observáveis até doenças respiratórias graves e morte. Os pesquisadores, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, acreditam que, no futuro, a plataforma de vacina pode ser usada para desenvolver imunizações contra outros coronavírus, incluindo o Sars-CoV-2.
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