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Tripla ofensiva contra a covid-19

Combinação de medicamentos antivirais garante recuperação de pacientes infectados pelo Sars-Cov-2 em níveis leve e moderado, após sete dias de tratamento. Novo estudo lança dúvidas sobre uso da hidroxicloroquina em doentes graves

Correio Braziliense
postado em 09/05/2020 04:05
Médico em hospital de Hong Kong: estratégia com antivirais segue experiência  contra surgimento de sintomas da gripe
O uso simultâneo de três antivirais mostrou resultados animadores no tratamento de pacientes com Covid-19, mostra a última edição da revista britânica The Lancet. A estratégia foi testada por cientistas de Hong Kong, que utilizaram as drogas interferon beta-1b, ribavirina e o composto duplo lopinavir-ritonavir como terapia de pacientes com a infecção em níveis leve e moderado. A recuperação total ocorreu em apenas sete dias. Em contrapartida, um estudo, realizado em Nova York, volta a pôr em dúvida os benefícios da hidroxicloroquina nos doentes em estado grave.

A ideia dos pesquisadores de Hong Kong de usar ao mesmo tempo três drogas para tratar a infecção por Sars-CoV-2 veio da experiência com a gripe, que possui uma carga viral — quantidade de vírus presente no corpo de uma pessoa infectada — alta na época em que os sintomas aparecem. Segundo os cientistas, isso sugere que, assim como a gripe, o tratamento de pacientes com covid-19 feito com uma combinação de vários medicamentos antivirais pode ser mais eficaz do que terapias com apenas uma droga.

“Acreditamos que essa poderia ser uma possível abordagem terapêutica para a covid-19, em que a carga viral também atinge o pico no momento do início dos sintomas”, ressaltou, em um comunicado à imprensa, Jenny Lo, pesquisadora do Hospital Ruttonjee, em Hong Kong, e uma das autoras do estudo.

No experimento, os especialistas analisaram 127 adultos, com idade média de 52 anos, internados em seis hospitais públicos de Hong Kong. Os participantes foram aleatoriamente designados para receber o coquetel de três medicamentos ou a dupla lopinavir-ritonavir sozinha. Todos os pacientes também receberam tratamento padrão, incluindo suporte de ventilação e de diálise, antibióticos e corticosteroides.

Mais rápido
Os pesquisadores observaram que o tratamento com a combinação tripla de medicamentos suprimiu totalmente a carga viral dos pacientes em uma média de sete dias após o início do tratamento, tempo significativamente menor que os 12 dias no grupo tratado apenas com o composto lopinavir-ritonavir.

“Nosso estudo demonstra que o tratamento de covid-19 leve a moderada, feito precocemente (com apenas cinco dias de sintomas apresentados), com uma combinação tripla de antivirais pode eliminar rapidamente a quantidade de vírus no organismo e dessa forma também reduzir o risco de transmissão para os profissionais de saúde”, detalhou Kwok-Yung Yuen, pesquisador da Universidade de Hong Kong, e líder da pesquisa. “Além disso, a combinação das drogas se mostrou segura e bem tolerada pelos pacientes”, complementou.

De acordo com os cientistas, a pesquisa indica a necessidade de analisar melhor os interferons, proteínas produzidas naturalmente pelo organismo em resposta à infecção viral. “Essas descobertas sugerem que o interferon beta 1-b pode ser um componente essencial no sucesso desse tratamento combinado. Vale a pena investigar mais essa terapia para covid-19”, destacou Lo.

Os pesquisadores adiantaram que mais análises serão realizadas, pois o grupo de pacientes que usou a combinação tripla de antivirais ainda é pequeno. “Apesar desses dados encorajadores, devemos confirmar em análises maiores, e observar se interferon beta-1b tem resultados positivos ao ser usado sozinho ou apenas em combinação com outros medicamentos. Precisamos checar também se ele é eficaz em pacientes com a doença mais grave, nos quais o vírus teve mais tempo para se replicar”, observou Yuen.

Para Sarah Shalhoub, pesquisadora da Western University, no Canadá, os dados verificados pela equipe de Hong Kong são bastante animadores. “Esse experimento apresenta um passo importante para encontrar uma terapia para a covid-19. No entanto, como os autores reconhecem, estudos futuros para examinar a eficácia do interferon beta-1b isoladamente ou em combinação com outros medicamentos para tratar pacientes com covid-19 são essenciais para confirmar esses ganhos, e quem sabe assim ele possa ter resultados positivos também em pacientes mais graves”, declarou à revista The Lancet.

Descrédito
Enquanto isso, o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes graves foi mais uma vez posto à prova. Um estudo realizado em hospitais de Nova York não encontrou nenhuma evidência de dano ou benefício no uso do medicamento para a malária nos doentes com covid.

“O risco de entubação ou morte não foi significativamente maior ou menor entre os pacientes que receberam hidroxicloroquina do que entre os que não receberam”, disseram os autores do estudo. Eles afirmaram, porém, que o resultado da pesquisa, publicado no The New England Journal of Medicine, “não deve ser considerado para descartar” o tratamento.

Financiado pelo National Institutes of Health, o estudo de observação foi realizado entre 1.376 pacientes da emergência do Hospital Presbiteriano de Nova York e do Centro Médico Irving da Universidade de Columbia. A maior parte dos infectados (811) recebeu duas doses de 600 mg de hidroxicloroquina no primeiro dia e 400 mg por dia durante quatro dias. Outros 565 não receberam o medicamento.

Segundo os especialistas, comparando os dois grupos, “não houve associação significativa entre uso de hidroxicloroquina e entubação ou morte”.



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