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Na contramão de Trump

Ao contrário do presidente, chefe da saúde dos Estados Unidos defende que uma vacina contra a covid-19 deve ser declarada um "bem público global". Os institutos comandados por Francis Collins estão, ao lado do laboratório Moderna, à frente de um projeto promissor

Correio Braziliense
postado em 21/05/2020 04:05
Francis Collins,chefe dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA:

Numa linha de pensamento oposta à manifestada pelo presidente Donald Trump, o chefe dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, Francis Collins, defendeu, ontem, que o país compartilhe uma vacina contra o coronavírus com o mundo, caso seja o primeiro a desenvolvê-la. Collins afirmou que concorda totalmente com os líderes da França e da China que uma vacina deve ser um “bem público global” e expressou preocupação particular pelos países da África e da América Latina.

“Certamente, se tivéssemos uma vacina que funcionasse, eu gostaria de garantir o mais rápido possível que ela esteja disponível lá (na África) e na América do Sul. Olhe o Brasil agora”, disse o chefe dos NIH, em entrevista à agência de notícias France Presse. “Temos uma grande responsabilidade. Como nação mais rica do mundo, não temos apenas que cuidar de nós mesmos. Isso seria um resultado terrível”, acrescentou.

Um dia antes, a Casa Branca se opôs a trechos de resolução da Organização Mundial da Saúde (OMS) que possibilitaria a quebra de patentes de vacinas e de medicamentos contra a covid-19 e o acesso universal a tratamentos. A administração de Trump sugeriu que, embora compartilhasse seu conhecimento científico, priorizaria a produção de doses para a população americana desde o início.

Os institutos dirigidos por Collins (NIH), médico e geneticista, constituem um dos principais centros de pesquisa do mundo. Com um orçamento de US$ 42 bilhões, eles fizeram uma parceria com empresas privadas na corrida frenética para encontrar uma vacina contra o vírus que, até ontem, matou mais de 325 mil pessoas em todo o mundo.

Resultados positivos

Um dos mais avançados projetos experimentais de vacinas do mundo até agora é o da empresa americana de biotecnologia Moderna, que trabalha com os NIH. A empresa, que recebeu uma doação do governo de quase US$ 500 milhões, divulgou, na segunda-feira, resultados promissores dos primeiros testes clínicos em um pequeno número de voluntários.

O governo dos Estados Unidos também assinou um contrato com o grupo farmacêutico de Paris Sanofi para garantir que tenha prioridade na produção de futuras vacinas. Esse acordo provocou indignação na França, forçando a empresa a esclarecer que essa prioridade seria dada apenas para doses de vacinas produzidas em fábricas que o grupo possui nos Estados Unidos.

Diretor dos NIH desde 2009, sob o comando de Barack Obama e Trump, Francis Collins admite que a abordagem de Washington pode ser vista como America First (América em primeiro lugar), lema de campanha do republicano, em 2016. Entretanto, o especialista de 70 anos insiste que a comunidade científica está cooperando internacionalmente.

“Todos nós acreditamos que todos deveriam ter a oportunidade de ter acesso a algo que possa salvar suas vidas em tempos de uma pandemia como essa”, disse. “E faremos o possível para trabalhar com outras agências e outros países para tentar fazer isso acontecer”, assegurou.

Perguntado se os laboratórios deveriam se beneficiar de um produto visto como um “bem público global” para as mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, Collins respondeu: “Não acho que devam obter um lucro excepcional, com certeza.” Lembrou, contudo, que as empresas gastam bilhões de dólares para produzir vacinas. “Não se pode esperar que elas absorvam isso”, explicou.

China

Nos últimos dias, Donald Trump entrou em rota de colisão direta com a OMS, apontando erros na gestão da pandemia e lançando suspeitas sobre o alinhamento da agência da ONU com Pequim.  Ontem, o chefe da Casa Branca reiterou os ataques à China e disse que a “incompetência” do país asiático foi o que causou um “massacre global”.

O americano está cada vez mais indignado com os efeitos do coronavírus na economia do país e critica diariamente a China, onde o vírus apareceu, no fim do ano passado. A Casa Branca chegou a sugerir, sem dar provas, que o Sars-CoV-2 foi criado em laboratório e que escapou acidentalmente.

Em busca da reeleição, o aumento do desemprego ameaça as chances do republicano, em novembro. Mas, no início da crise sanitária, Trump minimizou os riscos. Os Estados Unidos são o país com mais mortes nesta pandemia, mais de 92 mil.

Também o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, reforçou as críticas à  China, assinalando que a crise do coronavírus terminou com as ilusões de ter um vínculo mais próximo com o país. “Subestimamos muito o grau em que Pequim é politicamente e ideologicamente hostil às nações livres”, disse o secretário de Estado.

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