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China usa evento político para declarar "vitória" contra a covid-19

China transforma o 13º Congresso Nacional do Povo em fórum para declarar o triunfo na ''guerra'' contra a pandemia do novo coronavírus e reafirmar o poder do presidente, Xi Jinping. Cerca de 3 mil delegados participam do encontro, em Pequim, encurtado em uma semana

Correio Braziliense
postado em 22/05/2020 06:00

soldados andandoEnquanto o mundo ultrapassava a marca dos 5 milhões de infectados pelo novo coronavírus e o continente americano enfrenta uma explosão de contágios e de mortes provocados pela pandemia, a China aproveita o seu mais importante evento político anual para declarar uma vitória controversa sobre a covid-19. Diante de 3 mil delegados reunidos no Grande Salão do Povo, na Praça da Paz Celestial (em Pequim), o 13º Congresso Nacional do Povo (NPC) também é uma oportunidade para que o presidente Xi Jinping reafirme o seu poder, em meio à tensão crescente com os Estados Unidos e à mais grave recessão a atingir a China desde a década de 1970. A reunião, que costuma se estender por duas semanas, deverá ser encurtada em sete dias neste ano, com alguns debates realizados por videoconferência.

 

Durante a sessão de abertura da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês — o encontro antecede a inauguração do NPC, hoje —, Xi e o premiê, Li Keqiang, destoaram dos delegados, que usaram máscaras para reduzir os riscos de contágio. Com os rostos à mostra, os dois principais nomes do Partido Comunista Chinês (PCC) se curvaram ao prestarem tributo aos mortos pela pandemia, cujo foco inicial foi Wuhan, na província central de Hubei. 

 

De acordo com Wang Yang, diretor do NPC, os delegados “dirão ao mundo sobre como a China tomou uma ação firme e contribuiu para a cooperação internacional na luta contra a covid-19”. Wang revelou que os consultores políticos do PCC apresentaram 1.300 relatórios e sugestões sobre prevenção e controle da pandemia, além do fortalecimento da governança baseada em leis, segundo a agência de notícias chinesa Xinhua.

 

O jornal The New York Times publicou que o NPC se transformará em um fórum para que os líderes do PCC manifestem triunfo naquilo que foi descrito por Xi como a “guerra do povo” contra o novo coronavírus. Especialista do Center for Global Development (Centro para Desenvolvimento Global, em Washington) e autor de The plague cycle (“O ciclo da praga”), Charles Kenny desqualifica a tese de vitória chinesa. “A China parece ter reduzido dramaticamente os casos de infecção, mas ainda pode haver contágios que não se refletem nas estatísticas dentro do país. O novo coronavírus não será verdadeiramente derrotado até que esteja eliminado de todos os lugares”, disse à reportagem.

 

François Godement, analista do Programa de Ásia do Carnegie Endowment for International Peace (em Paris), afirmou ao Correio que Xi Jinping buscará reorientar a política externa da China para abafar críticas da comunidade internacional relacionadas à pandemia. Ele cita a promessa de US$ 2 bilhões para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a aceitação de uma investigação sobre responsabilidades inerentes à covid-19 como “grandes mudanças”. “Xi Jinping está equilibrando isso, ao girar os parafusos em Hong Kong, com o provável fim da autonomia da cidade semiautônoma (leia abaixo)”, avalia. “O presidente da China utiliza a ameaça representada pela pandemia de covid-19 como argumento de cooperação. Ele deseja que a China pareça indispensável para o mundo.”

 

Em entrevista ao Correio, Fengsuo Zhuo — sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial, em 4 de junho de 1989 e opositor ao governo chinês — disse que os fatos ligados à pandemia na China “ainda não são transparentes”. “Mesmo em Wuhan, não está claro quantas pessoas morreram, nem como a infecção se desenvolveu. Xi pode declarar vitória, pois tem o poder de manipular o povo, ou pode parar a disseminação do novo coronavírus a qualquer custo. Mas não há vitória antes que uma vacina ou uma cura seja encontrada”, opinou. As autoridades chinesas reconhecem 84.063 casos de covid-19 no país e 4.638 mortos.

 

Trump

 

Ontem, no dia em que os Estados Unidos acumularam 94 mil mortes, o presidente Donald Trump ordenou que as bandeiras do país sejam baixas a meio-mastro por três dias. “Hastearei a meio-mastro as bandeiras em todos os edifícios federais e monumentos nacionais nos próximos três dias em memória dos americanos que perdemos para o coronavírus”, tuitou o republicano. Na quarta-feira, ele atribuiu o “massacre em todo o mundo” à “incompetência da China”. Trump afirmou, ainda, que os chineses estão “desesperados” para que o “dorminhoco Joe Biden ganhe a corrida presidencial, para que possam seguir roubando os Estados Unidos, como faziam há décadas”.  Os EUA admitiram suspeitas de que a pandemia possa ter surgido em um laboratório de Wuhan. 

 

Eu acho...

homem em pé 

“Nos meses recentes, o presidente Xi Jinping tem sido menos insistente em relação ao próprio poder. A pandemia ensinou-lhe que pode ser úitil compartilhar os riscos de responsabilidade. Não há sinais, além da especulação de elementos céticos na elite chinesa e de especialistas, de que a liderança do Partido Comunista Chinês esteja em xeque.” François Godement, analista do Programa Ásia do Carnegie Endowment for International Peace (em Paris).

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