O presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou, ontem, a retirada dos Estados Unidos do Tratado de Céus Abertos, assinado com a Rússia e 30 países, depois de acusar Moscou de violar os termos do acordo. O efeito imediato foi a convocação de embaixadores dos países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para uma reunião de urgência, hoje, a fim de analisar as consequências da decisão norte-americana.
“A Rússia não aderiu ao tratado (de Céus Abertos)”, disse Trump a repórteres. “Até que eles adiram, nos retiramos” do acordo, que permite verificar as movimentações militares e as medidas de controle de armas dos países signatários. Este é o terceiro acordo de controle de armas do qual Trump decide retirar seu país desde o início de seu governo. Segundo o jornal The New York Times, Trump planeja informar Moscou, hoje, de sua saída do pacto, assinado há 18 anos entre as duas potências e outros 32 países, principalmente membros da Otan.
O acordo, firmado para melhorar a transparência e a confiança entre as partes, permite aos signatários realizar um número determinado de voos de reconhecimento por ano e com apenas um breve aviso. A ideia é que, quanto mais exércitos rivais se tornem conhecidos, menor a chance de conflito entre eles. Mas as partes também usam os voos para examinar as vulnerabilidades de seus oponentes.
Jonathan Hoffman, porta-voz do Pentágono, disse que a Rússia “viola descaradamente suas obrigações” relacionadas ao pacto. Moscou “executa o tratado de uma maneira que contribui para ameaças militares contra os Estados Unidos e nossos aliados e parceiros”, afirmou.
Hoffman citou a recusa da Rússia em permitir voos sobre áreas onde Washington acredita que Moscou esteja desenvolvendo armas nucleares de médio alcance, incluindo a cidade de Kaliningrado, no Mar Báltico, e perto da fronteira Rússia-Geórgia.
No ano passado, Moscou também bloqueou voos para inspecionar exercícios militares russos, normalmente permitidos sob o pacto. De acordo com o The New York Times, Trump também ficou incomodado com um sobrevoo russo a um campo de golfe em Bedminster, Nova Jersey, há três anos. “Nesta era de grande competição pelo poder, buscamos acordos que beneficiem todas as partes e que incluam parceiros que cumpram com responsabilidade suas obrigações”, afirmou Hoffman.
O Times acrescentou que a saída deste pacto pode ser um precedente para Washington também se retirar do Novo Tratado Start, que limita o número de mísseis nucleares que os Estados Unidos e a Rússia podem implantar.
Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2017, Trump retirou-se de outros dois pactos importantes de controle de armas: o Plano de Ação Conjunto Global de 2015, para impedir o Irã de avançar em seu programa de armas nucleares; e o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário de 1988, firmado com a Rússia. Para Moscou, a decisão americana foi um “golpe” para a segurança europeia. “A retirada dos Estados Unidos desse tratado significa um golpe não apenas para a segurança europeia, mas também para os instrumentos militares de proteção e segurança dos próprios aliados dos Estados Unidos”, disse o vice-ministro da Relações Exteriores da Rússia Alexandre Grouchko, citado por agências de imprensa locais.
Especialistas
Diretor executivo da ONG Associação para o Controle de Armamentos (em Washington), Daryl G. Kimball explicou ao Correio que os voos do Tratado de Céus Abertos fornecem informações valiosas sobre atividades militares russas. “Por isso, as partes europeias do tratado pensam que ele é importante para reduzir o risco de conflito na Europa”, disse. “Não está claro por que o governo Trump descartaria o tratado em um tempo de aumento de tensões com a Rússia. Como qualquer outro tratado, surgem disputas pela implementação. No passado, esses assuntos eram resolvidos por meio de diplomacia pragmáticae profissional, não pelo abandono de compromissos. Isso é uma exceção para Trump.”
De acordo com Alexandra Bell, diretora-sênior de Políticas do Centro para o Controle de Armas e Não Proliferação (em Washington), o Tratado de Céus Abertos é um acordo que permite voos de observação e coleta de dados. “Trata-se de um importante ferramente para fornecer previsibilidade e estabilidade. Foi ideia do presidente Dwight Eisenhower, negociado por George H. Bush e colocado em vigor pelo filho, George W. Bush É um legado republicano, o qual Trump está destruindo. Se a retirada dos EUA acabar com o acordo, a segurança diminuirá para todos os países-membros”, disse à reportagem.
» Pontos de vista
» Por Alexandra Bell
“A saída é um erro”
“A retirada do Tratado de Céus Abertos é um erro. Os problemas com o tratado podiam, e ainda podem, ser corrigidos. Eles não preveniram os EUA e seus aliados de obterem informações valiosas sobre os movimentos das forças na região euro-atlântica. O tratado era útil na Ucrânia e arredores, onde fornecia dados visuais inatacáveis sobre as atividades miltares russas.”
Diretora-sênior de Políticas do Centro para o Controle de Armas e Não Proliferação (em Washington)
» Por Daryl G. Kimball
“Padrão de destruição”
“A decisão de Donald Trump de se retirar do tratado é parte de um padrão preocupante de destruição de pactos: o acordo nuclear com o Irã, os Acordos do Clima de Paris e talvez o único acordo remanescente de controle de armas nucleares entre os Estados Unidos e a Rússia, o New Start. Este último acordo Trump também ameaçou abandonar.”
Diretor executivo da ONG Associação para o Controle de Armamentos (em Washington)
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