Quando começaram os estudos sobre as comorbidades associadas à covid-19, foi sugerido que a doença elevava o risco de derrames, incluindo acidente vascular cerebral (AVC). Agora, porém, com um número maior de prontuários médicos em mãos, pesquisadores descobriram que esses episódios são bem mais esporádicos do que se acreditava, com ocorrências variando de 1% a 5% dos pacientes internados.
Quatro estudos publicados na revista Stroke, da Associação Norte-Americana de Derrame, investigaram o percentual de derrames em pessoas hospitalizadas por covid-19. Em todos eles, as taxas foram baixas. Porém, os AVCs nesses pacientes tiveram gravidade maior do que naqueles que testaram negativo para o Sars-CoV-2. De acordo com os autores, isso pode ser, em parte, explicado pelos coágulos que dificultam a circulação sanguínea, uma característica observada em internos mais graves.
O maior dos quatro estudos foi realizado em Nova York, na Faculdade de Medicina Grossman. Na pesquisa, os médicos usaram prontuários para identificar 32 pacientes com AVC entre 3.556 pessoas que estavam sendo tratadas para covid-19 nos hospitais NYU Langone, em Nova York e Long Island, entre 15 de março e 19 de abril. Depois, compararam as características desse grupo de pacientes com as de pessoas que sofreram AVC no mesmo período, mas eram negativas para Sars-CoV-2, e com as de pessoas admitidas também por acidente vascular cerebral no ano anterior, antes da pandemia.
A equipe descobriu que pessoas com covid-19 que sofreram AVC apresentavam sintomas mais graves do que pacientes não infectados pelo coronavírus. Durante o período do estudo, 63% morreram, em comparação a 9% daqueles sem o vírus (um número sete vezes maior) e a 5% das pessoas que sofreram o acidente vascular na fase pré-pandemia.
Além disso, os internos com ambas as condições (covid e AVC) eram mais jovens e apresentavam sintomas piores. “Nosso estudo sugere que o acidente vascular cerebral é uma complicação incomum, mas importante, do coronavírus, uma vez que são mais graves, quando comparados aos que ocorreram em pacientes que tiveram resultado negativo para o vírus”, diz Shadi Yaghi, professor da Faculdade de Medicina Grossman, do Departamento de Neurologia do NYU Langone Health, e um dos autores do estudo.
Tratamento
De acordo com Jennifer Frontera, autora sênior do artigo e pesquisadora do NYU Langone Health, o acidente vascular cerebral nos pacientes com covid-19 se forma de uma maneira diferente da maioria dos AVCs. Ela explica que, geralmente, a condição ocorre quando um vaso sanguíneo é bloqueado repentinamente, impedindo que o sangue chegue ao cérebro. Nas pessoas do estudo, pelo menos 56% dos derrames parecem consequência do aumento de coágulos sanguíneos em todo o corpo.
“Nossas descobertas fornecem evidências convincentes de que os coágulos generalizados podem ser um fator importante de que está levando ao derrame em pacientes com covid-19”, diz Frontera. “Os resultados apontam para o uso de anticoagulante, ou terapia para afinar o sangue, como um meio potencial de reduzir a gravidade incomum de derrames em pessoas com o coronavírus”, complementa.
No Brasil, a médica Elnara Marcia Negri conduziu um estudo no Hospital Sírio-Libanês no qual mostrou que a heparina, um medicamento anticoagulante, ajudou a recuperar mais rapidamente pacientes com sinais de falta de trombose (formação de coágulos na circulação venosa). A pesquisa, apresentada no mês passado e divulgada pelo Correio, será ampliada para confirmar os resultados.
A associação entre a covid-19 e a alta incidência de trombose foi detectada em um estudo divulgado na segunda-feira por pesquisadores da Faculdade de Medicina Brighton e Sussex, no Reino Unido. Eles descobriram que, de 274 pessoas com covid-19 internadas no hospital da instituição, 7,7% também apresentaram a condição na circulação venosa, sendo que, em 76,2% desses casos, ocorreu embolia pulmonar, quando o coágulo se forma nos pulmões.
“Esse estudo sinaliza a importância de mais pesquisas para explorar os mecanismos patológicos específicos da covid-19 e também destaca a necessidade urgente de mais ensaios clínicos para avaliar o papel do tratamento anticoagulante para a prevenção de mortes e morbidade por infecção por Sars-CoV-2”, disse, em nota, Tim Chevassut, professor de hematologia da faculdade.
"Os resultados apontam para o uso de anticoagulante, ou terapia para afinar o sangue, como um meio potencial de reduzir a gravidade incomum de derrames em pessoas com o coronavírus”
Jennifer Frontera, autora sênior do artigo e pesquisadora do NYU Langone Health
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