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China, Coreia, Vietnã e Índia têm em comum uma tradição de coletivismo com raízes profundas nas civilizações asiáticas

Correio Braziliense
postado em 23/05/2020 04:06
China, Coreia, Vietnã e Índia têm em comum uma tradição de coletivismo com raízes profundas nas civilizações asiáticas

 

A pandemia da covid-19 aproxima-se de completar seis meses e, entre as muitas linhas possíveis de investigação, insinua uma sobre os graus distintos de virulência que exibe (ou exibiu) em diferentes países. Em particular, intriga os estudiosos a incidência díspar entre as nações mais populosas.

 

Estados Unidos, Rússia e Brasil lideram hoje as estatísticas, seja no número de casos, seja no de mortes. À parte a inevitável subnotificação e as deficiências de testagem, são números de uma ordem de grandeza substancialmente mais elevada que a registrada na China e na Índia, cada uma com seu bilhão e meio de habitantes.

 

O caso chinês é especialmente intrigante por se tratar da primeira escala na disparada mundial do coronavírus. O governo indiano, por sua vez, impôs desde logo um rigoroso isolamento social, cujo sucesso aparente se expressa na escala local de contágio. Impressiona, por outro ângulo de observação, o fato de o Vietnã, vizinho da China, não ter contabilizado uma morte sequer: com quase 100 milhões de habitantes, o país teve pouco mais de 300 ocorrências da covid.

 

Um olhar imediato e politizado poderia sugerir que o vírus tem de fato algum “viés comunista” — como já foi afirmado por setores da extrema-direita. Tanto mais considerando que também Cuba se mostra, ao menos até aqui, bem protegida. A abordagem ideológica, porém, não responde ao sucesso da Índia. E cai por terra quando se olha para a Coreia do Sul, outro país cujo perfil geodemográfico deveria propiciar à epidemia território fértil para a expansão.

 

Disciplina mosqueteira

 

Parece mais promissor buscar o que diferencia desses exemplos bem-sucedidos a experiência dos três líderes do ranking mundial da covid. EUA e Brasil, por caminhos distintos, chegaram à antessala da pandemia com sistemas deficientes de saúde pública. A Rússia teria o centralismo político autoritário em comum com China, Vietnã e Cuba. Mas é essencial lembrar que se tornou, desde o fim da União Soviética, o tubo de ensaio de um modelo capitalista extremamente desigual e competitivo.

 

Por cima das diferenças de sistemas políticos e socioeconômicos, China, Coreia, Vietnã e Índia têm em comum uma tradição de coletivismo com raízes profundas nas civilizações asiáticas. A noção de que algum tipo de bem comum se sobrepõe aos interesses individuais ou de grupo é tão natural quanto a adesão dos mosqueteiros de Alexandre Dumas ao lema “um por todos e todos por um”.

 

Encontro marcado

 

As diferenças de abordagem no enfrentamento da crise espelham, até certo ponto, opções divergentes no engajamento dos vários governos e forças políticas com a realidade — incontornável, por sinal — do mundo globalizado. Embora a sutileza de matizes seja bem mais variada, é possível distinguir dois campos básicos: unilateralistas e multilateralistas.

Se é possível distinguir ícones para cada um desses lados, eles poderiam ser Donald Trump e a chanceler alemã, Angela Merkel. E, nos tempos da pandemia, a pedra de toque é a atitude para com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O presidente americano, em companhia do colega brasileiro, Jair Bolsonaro, hostiliza a OMS e questiona sua autoridade. Merkel, que pode exibir resultados covincentes contra a covid na Alemanha, encarna o “globalismo” execrado por Bolsonaro, pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo guru de ambos, Olavo de Carvalho.

 

Uns e outros têm encontro marcado, no pós-covid, em cenários como as Nações Unidas, centro de gravidade do sistema multilateral. A ONU e suas agências são fruto das duas guerras mundiais de século 20, que resultaram dos nacionalismos chauvinistas cultivados ao longo de décadas. No ano em que celebra o 75º aniversário, a organização internacional se vê sob questionamento em patamar inédito. Como nunca antes, mesmo a sua permanência é colocada em dúvida pelos adversários. 

 

 

 

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