Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 04:30
Essenciais para a integridade física dos profissionais de saúde, máscaras, jalecos e outros equipamentos de proteção individual (EPI) são fabricados de forma a evitar a passagem de fluidos e a absorção de micro-organismos. Contudo, estão longe de serem 100% intransponíveis, uma preocupação que aumenta quando médicos, enfermeiros e auxiliares lidam com desafios como o Sars-CoV-2, causador da pandemia da covid-19.
Na China, país que registrou os primeiros casos da doença, ao menos 3,3 mil profissionais de saúde foram contaminados até o fim de abril. No Brasil, 31,7 mil deles contraíram Sars-CoV-2 — desses, mais de 500 no Distrito Federal. Pensando em casos como esses, pesquisadores do Laboratório da Escola de Engenharia da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, desenvolveram um revestimento para fibras têxteis que repele bactérias e vírus. Por enquanto, os testes foram feitos com espécies de adenovírus que causam resfriado e conjuntivite. Porém, os cientistas pretendem investigar, em breve, se o Sars-CoV-2 também pode ser impedido de entrar no tecido idealizado para a confecção de máscaras e outros EPIs.
No estudo, publicado na revista Applied Materials and Interfaces, da Sociedade Norte-Americana de Química (ACS, sigla em inglês), os pesquisadores demonstraram que líquidos, como suco e água, e até proteínas animais não conseguem aderir ao tecido tratado com o revestimento. Anthony Galante, estudante de doutorado em engenharia industrial da instituição, conta que a inspiração do trabalho veio de novos produtos usados para repelir sangue, como os usados no tratamento de absorventes femininos que impedem o contato do fluido com a pele. “Especialmente devido à pandemia atual, queríamos observar o limite de eficácia desses repelentes. Por isso, pensamos em testar um revestimento contra vírus”, explica.
Além da capacidade de manter vírus e bactérias — fluidos corporais — longe da zona de contato com o organismo, Paul Leu, professor do laboratório e coautor do estudo, explica que, para atender às expectativas da pesquisa, o revestimento também teria de resistir aos processos mais rigorosos de higienização: lavagem e raspagem ultrassônicas. Com a escassez de EPIs, especialmente em tempos de epidemias, muitos cientistas têm apostado no método de limpeza ultrassônica para reaproveitar equipamentos como a máscara N95, que impede até 85% da passagem de vírus e bactérias pelos poros da peça.
“A durabilidade é muito importante porque existem outros tratamentos de superfície por aí, mas eles são limitados a tecidos descartáveis. Você só pode usar um jaleco ou uma máscara uma vez antes de descartá-lo”, diz Leu. “Dada a escassez de EPIs, é necessário desenvolver revestimentos que possam ser aplicados em tecidos médicos reutilizáveis, passíveis de serem adequadamente lavados e higienizados.”
Galante e Leu testaram o novo revestimento em tecidos que passaram por dezenas de lavagens ultrassônicas. Também submeteram as peças a milhares de rotações com uma esponja (não muito diferente do processo de esfregação de panelas e frigideiras) e até as rasparam com uma lâmina afiada. Após cada teste, o revestimento permaneceu tão eficaz quanto no primeiro uso.
Teste promissor
Depois dos testes com líquidos e proteínas (presentes em sérum bovino), os pesquisadores passaram à fase dos experimentos com vírus. Para isso, recorreram a uma área que há tempos utiliza adenovírus em pesquisas: a oftalmologia. Esses micro-organismos têm se mostrado promissores em classes de medicamentos genéticos, trabalhando como vetores dos remédios. Uma das drogas que utiliza o método é para cegueira.
Os pesquisadores trabalharam com o diretor de pesquisa do Laboratório de Microbiologia Charles T. Campbell, Eric Romanowski, e com o diretor de pesquisa básica, Robert Shanks, no Departamento de Oftalmologia de Pitt, para testar o efeito do revestimento contra uma cepa de adenovírus. “Como esse tecido já demonstrou repelir sangue, proteínas e bactérias, o próximo passo lógico foi determinar se ele repele vírus. Escolhemos os adenovírus humanos tipos 4 e 7, pois essas são causas de doenças respiratórias agudas e de conjuntivites”, conta Romanowski. “Esperávamos que o tecido repelisse esses vírus de maneira semelhante ao que faz com proteínas. Afinal, vírus são basicamente proteínas com ácido nucleico interno. E foi isso que aconteceu.”
Multiúso
Segundo os autores do estudo, o revestimento pode ter amplas aplicações na área da saúde, podendo ser aplicado em roupas hospitalares e cadeiras de sala de espera, que são meios pelos quais os vírus se espalham com facilidade. “O adenovírus pode ser apanhado inadvertidamente em salas de espera de hospitais e em superfícies contaminadas em geral. Ele é rapidamente disseminado em escolas e nas casas e tem um enorme impacto na qualidade de vida”, diz Shanks.
O próximo passo para os pesquisadores será testar a eficácia contra os coronavírus, como o que causa a covid-19. “Se o tecido tratado repelir os coronavírus e, em particular, o Sars-CoV-2, isso poderia ter um enorme impacto para os profissionais de saúde e até para o público em geral”, acredita Romanowski.
Por enquanto, o revestimento é aplicado por meio de injeção de gotas, um método que satura o material com uma solução na seringa e, em seguida, se aplica um tratamento térmico para aumentar a estabilidade da substância. Mas os pesquisadores acreditam que poderão usar a pulverização ou a imersão, facilitando a aplicação do revestimento em tecidos de tamanhos maiores.
“Dada a escassez de EPIs (equipamentos de proteção individual), é necessário desenvolver revestimentos que possam ser aplicados em tecidos médicos reutilizáveis, passíveis de serem adequadamente lavados e higienizados”
Paul Leu, professor do Laboratório da Escola de Engenharia da Universidade de Pittsburgh e coautor do estudo
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