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Pacientes com câncer são mais vulneráveis à covid

Taxa de mortalidade é de 13%, o dobro da registrada em pessoas que não têm tumor e são infectadas pelo Sars-CoV-2, mostra estudo com 928 voluntários. Especialistas ressaltam a necessidade de manter a terapia oncológica enquanto se combate a infecção

Correio Braziliense
postado em 29/05/2020 04:05
Criança com câncer é atendida na Índia: gravidade do tumor e idade do paciente aumentam risco de morte

Uma das principais preocupações diante do diagnóstico da covid-19 são os desdobramentos da doença em quem tem outras enfermidades. Em um estudo publicado na última edição da revista The Lancet, cientistas investigaram os efeitos da infeção pelo Sars-CoV-2 em pessoas com câncer. Ao analisar um grupo de 928 voluntários, a equipe observou uma taxa de mortalidade de 13% nesses indivíduos, o equivalente ao dobro do risco de óbito em infectados pelo coronavírus que não tinham câncer. O trabalho indicou ainda fatores associados a essa maior vulnerabilidade, como o quanto o tumor está ativo no corpo de um paciente.

O estudo internacional utilizou dados reunidos pelo grupo Cancer Consortium (CCC19), formado por mais de 100 instituições voltadas para a pesquisa na área oncológica e mantido como um banco de dados eletrônicos na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos. “O CCC19 tem sido um grande esforço coletivo para acumular dados clinicamente relevantes em um grande número de pacientes com infecção por covid-19”, enfatiza, em comunicado, Brian Rini, professor na Universidade Vanderbilt e um dos autores do estudo, apresentado também no encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia (ASCO), realizado virtualmente neste ano.

Foram estudados relatórios médicos de pacientes na Espanha, no Canadá e nos Estados Unidos. A equipe considerou quantas pessoas morreram no prazo de 30 dias após o diagnóstico de covid-19. Jeremy Warner, um dos autores do estudo, conta que a condição do câncer nos pacientes interferiu na maior vulnerabilidade. “Esse dado de 13% é mais do que o dobro do relatado para todos os pacientes com covid-19 do (Hospital) Johns Hopkins Center for Systems Science and Engineering. Certos subgrupos, como pacientes com atividade ativa (do tumor) mensuráveis e aqueles com um status de desempenho prejudicado (sem mostrar recuperação no tratamento) se saíram muito, muito pior”, diz o professor-associado de medicina e informática biomédica na Universidade de Vanderbilt.

Os pesquisadores também identificaram o status de desempenho de ECOG igual ou superior a dois como um fator a se considerar quanto ao aumento da mortalidade. Outra condição apontada foi o status de câncer ativo, particularmente o tumor progressivo. Da mesma forma que se dá em pacientes com covid-19 que não têm câncer, o risco de mortalidade também aumentou diante da ocorrência de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e em pessoas com idade avançada. A taxa foi de 6% para pacientes com câncer com até 65 anos, de 11% para aqueles com 65 a 74 anos, e de 25% para pessoas com mais de 75 anos.

Os homens também se mostraram mais vulneráveis: taxa de mortalidade de 17%, contra 9% entre as mulheres “Esse relatório inicial define alguns dos principais fatores de risco e resultados de certos subconjuntos de pacientes. Vários outros projetos do CCC19 estão em andamento para expandir ainda mais esse conhecimento, com o objetivo de informar os pacientes e os especialistas da área”, frisa Jeremy Warner.

Fernando Maluf, oncologista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e fundador do Instituto Vencer o Câncer, destaca que o estudo internacional mostra dados que reforçam descobertas de análises menores. “Estudos feitos com um número mais reduzido de pacientes já apontavam para isso, que os pacientes têm risco duas vezes maior de morrer de covid-19 quando comparados com pessoas sem essa enfermidade. Esses outros trabalhos também mostraram taxas de óbito maiores para pessoas que sofrem com doenças hematológicas, como linfoma e leucemia”, detalha.

Tratamento

Os pesquisadores destacam que os dados não mostram uma associação estatística entre mortalidade 30 dias após a recuperação da covid-19 e a condução do tratamento de câncer. Dessa forma, sugerem que abordagens como cirurgia, quimioterapia adjuvante e quimioterapia de manutenção poderiam ser mantidas durante a pandemia com “extrema cautela”.

“Enquanto os mais velhos e aqueles com grandes condições comórbidas correm risco substancialmente maior de morrer em decorrência da covid-19, nossas descobertas iniciais são encorajadoras para pacientes com câncer que não estão em estado grave e recebem a terapia dentro de quatro semanas após a infecção. No entanto, mais dados são necessários para avaliar de maneira confiável as terapias individuais de alto risco”, explica Nicole Kuderer, pesquisadora do Advanced Cancer Research Group, nos Estados Unidos, e também autora do estudo.

O oncologista brasileiro destaca que a posição dos pesquisadores em relação às terapias corroboram medidas já tomadas por especialistas na área. “Todas terapias precisam continuar, desde que feitas com cuidados. No Einstein, lançamos até um protocolo com uma série de orientações que ajudam os médicos a entenderem como proceder no tratamento desses tumores, principalmente os mais comuns, como os ginecológicos, e mantendo as taxas de cura altas”, conta Fernando Maluf.

Para Gustavo Cardoso Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR) e coordenador geral dos Departamentos Cirúrgicos Oncológicos do grupo Beneficência Portuguesa de São Paulo, a contribuição mais importante do estudo é mostrar a segurança da realização de tratamentos oncológicos 30 dias após pacientes com tumores terem se recuperado da covid-19. “Com o surgimento dessa pandemia, muitas pessoas deixaram de se cuidar, de realizar os tratamentos que estavam previstos”, justifica.

Segundo o especialista brasileiro, dados de grupos internacionais mostram que, desde o início da pandemia, 2,3 milhões de cirurgias oncológicas no mundo deixaram de ser feitas. “Um levantamento da Sociedade Brasileira de Cancerologia e da Sociedade Brasileira de Patologia mostra que mais de 40 mil cirurgias desse tipo também deixaram de ser feitas no SUS pelo mesmo motivo”, complementa. Gustavo Cardoso Guimarães ressalta que manter o tratamento é importante porque pode impedir complicações mais sérias. “É necessário ter todo o cuidado possível, mas o paciente pode fazer a sua cirurgia e a sua quimioterapia, por exemplo, sem se preocupar. É o que mostra esse estudo. Também não sabemos até quando essa situação vai se estender. Então, o ideal é manter as terapias para não ter prejuízos futuros”, reforça.


  • Efeitos no dia a dia

    Trata-se de uma escala, de 0 a 4, usada para para medir como o câncer afeta habilidades demandadas no cotidiano. Na posição 0, o paciente é completamente ativo. Na 1, tem restrição a atividades físicas rigorosas. Na 2, consegue realizar autocuidados, mas é incapaz de realizar qualquer atividade de trabalho. Na 3, consegue realizar autocuidados limitados. E na 4, é totalmente incapaz de realizar autocuidados básicos e fica confinado ao leito ou a uma cadeira.

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