Correio Braziliense
postado em 30/05/2020 04:05
A prisão do ex-policial branco Derek Chauvin e a denúncia contra ele por assassinato de terceiro grau e homicídio culposo não arrefeceram a revolta racial que se espalhou de Minneapolis para mais 13 cidades de 11 estados norte-americanos. No quarto dia consecutivo, os protestos contra a morte de George Floyd — um afro-americano de 46 anos que foi algemado e sufocado com o joelho de Chauvin sobre o seu pescoço por cinco minutos — levaram o presidente Donald Trump a enviar 500 homens da Guarda Nacional a Minneapolis. Por sua vez, o prefeito Jacob Frey decretou toque de recolher na cidade mais populosa do estado de Minnesota entre 20h de ontem (22h em Brasília) e 6h de hoje (8h em Brasília) e no mesmo período entre hoje e amanhã. A medida não vale para membros da polícia e da Guarda Nacional, assim como profissionais da área da saúde e bombeiros.
Ao anunciar o reforço militar, Trump cometeu uma gafe e teve o tuíte censurado (leia nesta página). Na tarde de ontem, o republicano fez um pronunciamento divulgado no Twitter. “Eu quero expressar as mais profundas condolências de nossa nação e os mais sinceros sentimentos à família de George Floyd”, declarou. Ele afirmou que o crime “jamais deveria ter ocorrido”. Apesar de apoiar protestos pacíficos, o republicano disse que “não podemos permitir que uma situação como a que ocorreu em Minneapolis leve a mais anarquia e a caos sem lei”.
Trump contou ter conversado, por telefone, com parentes de Floyd. “Falei com membros da família, gente excelente. Eu entendo a dor. (...) A família de George tem direito à justiça.” Por telefone, Shawanda Hill, namorada de Floyd, disse ao Correio que recebeu orientação de advogados para não abordar o caso com a imprensa.
Chauvin e quatro policiais foram demitidos depois da divulgação de vídeo que mostra a imobilização de Floyd, preso na segunda-feira por, supostamente, usar uma nota falsa de 20 dólares em uma loja. Protestos antirraciais ocorreram de Nova York a Phoenix, provocando reação polêmica de Trump, que classificou os manifestantes de bandidos. Em Washington, ativistas enfurecidos se concentraram diante do Capitólio e da Casa Branca, que precisou ser fechada por alguns minutos.
Opressão
Professor de relações humanas e justiça social da Universidade de Minnesota, Samuel L. Myers Jr. ressaltou que o assassinato de Floyd não é um ato isolado. “É a continuação de 400 anos de maus-tratos e opressão de afro-americanos. Se um homem negro matasse um policial branco, ele seria preso imediatamente, ou mesmo baleado e morto. O problema é que os agentes dos EUA são capazes de exercer autoridade sobre as vidas de negros, por causa de leis assegurando que eles tenham um status inferior na sociedade.”
Segundo ele, a 13ª Emenda da Constituição eliminou a escravidão em todos os aspectos da vida americana, exceto um: o sistema de Justiça criminal. Myers Jr. duvida que Trump tenha mobilizado a Guarda Nacional. “O prefeito negro da cidade de St. Paul estava entre os líderes que pediram ao governador de Minnesota o envio do contingente”, disse o especialista.
Para Clayborne Carson, fundador do Instituto Martin Luther King Jr., guardião dos documentos do líder ativista e professor da Universidade de Stanford, o assassinato de Floyd foi deliberado, porém não necessariamente intencional ou premeditado. “Mesmo um policial racista e estúpido perceberia que a morte de um suspeito resultaria em investigação capaz de levar a graves consequências”, declarou à reportagem. “O contínuo fracasso em acusar policiais tem contribuído para a resposta irada dos manifestantes”.
Por sua vez, Brian Levin — diretor do Centro para Estudo do Ódio e do Extremismo da Universidade Estadual da Califórnia, San Bernardino — lembrou que Chauvin foi denunciado por um tipo de assassinato que não requer intenção de matar, mas representa “indiferença depravada” em relação à vida. “O crime é passível de punição com até 25 anos.”
Ex-agente do Departamento de Polícia de Nova York, Levin explicou que os policiais dos EUA precisam de mudanças estruturais, mas também de melhor tratamento e liderança. “São necessárias alterações nos setores que usam determinações do uso da força. Espero que os cinco policiais sejam acusados e que isso encoraje Washington a ajudar as autoridades de Minnesota, mas também acelere casos federais sob as leis dos direitos civis.”
Obama defende “novo normal”
Barack Obama, o primeiro presidente afro-americano dos EUA, se pronunciou, ontem, sobre o assassinato de George Floyd. Por meio de comunicado, ele afirmou que o incidente não deveria ser normal. “Se nós queremos que nossas crianças cresçam em uma nação que faça justo ao seu mais alto nível, nós podemos e devemos fazer melhor”, disse. “Cabe a todos nós, indepentemente de nossa raça (…), trabalharmos juntos para criar um ‘novo normal’, no qual o legado da intolerância e o tratamento desigual não mais contaminem nossas instituições ou nossos corações.”
Policial detém repórter negro
A TV CNN transmitia, ao vivo, os protestos em Minneapolis, quando a equipe foi detida por policiais que carregavam bastões e capacetes. O correspondente Omar Jimenez, que é negro, conversava com os agentes, antes de ser algemado. “Se importaria de me dizer por que estou sendo preso, senhor?”, questionou. Não houve resposta. A CNN disse, em um tuíte, que um jornalista branco, que cobria os protestos na área, não foi detido.
De novo, um tuíte marcado
Mais uma vez, um tuíte de Trump foi marcado como “inadequado”. “Este tuíte violou regras do Twitter sobre enaltecimento à violência. No entanto, o Twitter determinou que pode ser do interesse público que esse tuíte siga acessível”, afirma um texto que ocultava a mensagem do republicano e trazia a opção de “Ver”. Ao clicar no link, o usuário pode ler o tuíte. “Esses bandidos estão desonrando a memória de George Floyd, e eu não deixarei isso acontecer. (...) Ante qualquer dificuldade, assumiremos o controle; mas, quando os saques começarem, o tiroteio começará. Obrigado!”, escreveu.
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