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Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 30/05/2020 04:05


Lutas sociais na quarentena

Minneapolis, Hong Kong, Santiago: três pontos do planeta distantes entre si, cada qual vivendo um ciclo de manifestações de rua com dinâmica própria. Em comum, a experiência real de uma ebulição social capaz de extravazar os limites (físicos) de convivência impostos pela pandemia da covid-19.

Segundo as coordenadas específicas de cada um desses processos, as autoridades se veem desafiadas a administrar conflitos que escapam aos parâmetros determinados pela estratégia adotada localmente para a emergência sanitária. O Brasil, visto hoje pela OMS como ponto focal da pandemia, tem a aprender com a observação dos acontecimentos nos EUA, na China e no Chile, vizinho sul-americano.

Raízes antropológicas


A explosão de violência racial em uma das metrópoles do Meio-Oeste americano responde a uma fratura social com raízes no passado escravista. Passado século e meio da abolição, as desigualdades são uma ferida ainda aberta. A violência de Estado contra cidadãos afro-americanos, associada ao beneplácito concedido aos policiais brancos que a cometem, revoltou comunidades negras em grandes centros urbanos de diferentes regiões do país: Nova York, Los Angeles, Chicago, entre outros. Do ponto de vista epidemiológico, o que importa é que, em nenhum caso, os manifestantes levaram em conta as urgências da crise de saúde pública. Mesmo no país que lidera (ainda) com folga as estatísticas da covid, seguido justamente pelo Brasil, prevaleceu o apelo da tensão racial.

Herança maldita

Na capital chilena, diferentemente, é a incidência impiedosa do vírus, com todos os efeitos colaterais na saúde do organismo socioeconômico, que sopra as velas da inquietação. A chegada do coronavírus coincidiu, no Chile, com os passos dificilmente ensaiados pelo governo direitista de Sebastián Piñera para tirar o país do círculo vicioso deflagrado pela explosão social de outubro último.

Como nos EUA, a recaída dos protestos na periferia de Santiago obedece a uma relação de forças anterior à pandemia. No caso chileno, são os desdobramentos do modelo socioeconômico implantado pelo general Augusto Pinochet a partir do golpe sangrento de 1973. A redemocratização, iniciada em 1990, não tocou nas pedras fundamentais do edifício, entre eles, a privatização absoluta da saúde e da previdência.

Para o governo de Piñera, o rebrote do estallido (explosão) social acompanha a inclinação para cima da curva de expansão da covid e de suas vítimas. Além de incômodos no terreno estritamente político, os protestos são inconvenientes do ponto de vista sanitário.

Jogo de campeonato


A dinâmica de Hong Kong evoca um ingrediente mais propriamente de ordem geopolítica. As manifestações renovadas contra a expansão da autoridade direta de Pequim sobre o território têm como mola propulsora uma lei sobre segurança, recém-aprovada pelo regime comunista. Aos olhos dos seus adversários na cidade — que, por sinal, não são poucos —, o presidente Xi Jinping tira partido das restrições ao convívio social para enquadrar a contestação. Algo como a tática de “passar a boiada”, como sugeriu por aqui aos colegas de governo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.Diferentemente do que ocorre no miolo dos EUA e na capital do Chile, porém, as turbulências em Hong Kong têm repercussões externas imediatas e incontornáveis. Washington e Londres tomam posição avançada em defesa do movimento pró-democracia. O regime de Pequim segue com a orientação estratégica, que prioriza o restabelecimento pleno de sua soberania em todo o território do império milenar — o que inclui, ainda, a ilha de Taiwan, último reduto de resistência ao regime comunista septuagenário.

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